sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Adeus Ano Velho... Feliz Ano Novo

E o ano de 2010 está indo embora, nas suas últimas horas.

Quero agradecer a todas as pessoas que estiveram por aqui, explicitamente ou anonimamente.

Foi um ano de profundas mudanças, despedidas de queridos amigos (da UFBA de Barreiras), e o encontro com os novos amigos (da UFPE de Caruaru). De volta à terrinha, Pernambuco, estado amado acima de qualquer coisa. É muito bom estar aqui e construir uma nova história. E muitas histórias (ficcionais) aparecerão por aqui em 2011 (como diria o querido trapalhão "aguarde e confie!").

Quero então desejar um feliz ANO NOVO, um FELIZ 2011, espetacular, parafraseando o nosso querido e eterno presidente Lula (que está se despedindo hoje).

Recebi um e-mail de uma querida aluna com uma mensagem belíssima, e quero compartilhar aqui, com quem por ventura passar por esses lados...



Assim me despeço de 2010, com muita esperança para 2011.

Adeus Ano Velho, Feliz Ano Novo!!!

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A mulher dos meus sonhos (parte final)

A mulher dos meus sonhos


(...)


            Acordei um tanto embriagado. Sentia frio; a janela estava fechada e o ar-condicionado estava no máximo. Era dia já. Levantei-me, o meu primeiro pensamento pertencia a Ana. O engraçado é que pouco conseguia lembrar-me da nossa conversa. Talvez tenha tomado muito vinho, só lembrava alguns momentos, mas tinha a certeza de ter conversado horas e mais horas. Fui até a janela. Talvez fosse cinco da manhã, pois o céu era um misto de dia e noite, tons em amarelo, vermelho e azul celeste. Quando me aproximei e vi um movimento intenso na avenida meu coração disparou. Não consegui ver o sol, era como se ele estivesse se pondo ao invés de nascer. Desci rapidamente.
            — Por favor, que horas são? — perguntei à recepcionista.
            — Já são cinco e meia, senhor. Algum problema? — perguntou-me ela.
            — Meu Deus! Acho que dormi o dia inteiro.
            — Como assim? Sr. Gustavo, o que o senhor quer dizer com ‘dormi o dia inteiro’?
            — Você não estava quando eu cheguei ontem à noite, de madrugada. Passei o dia inteiro dormindo.
            Ela sorriu.
            — Não se preocupe — falou ela com um sorriso cordial, mas percebendo alguma confusão de minha parte. — É comum as pessoas se confundirem…
            — Como assim? Você quer dizer perder a hora, não é? — disse-lhe sorrindo, tentando amainar meu nervosismo.
            — Não, senhor. É que o senhor passou por aqui hoje mesmo, duas vezes.
            — O que quer dizer?
            — Sim. Duas vezes: quando saiu, acho que por volta das oito horas, e quando chegou, às duas horas.
            Meu coração parou de súbito e disparou em seguida. Estava sem entender nada. Ela prosseguiu.
            — Creio que o senhor tenha ido dormir e perdido a noção do tempo.
            — Mas hoje não é domingo?
            — Hoje ainda é sábado, sr. Gustavo — concluiu, pausadamente, muito suavemente.
            — Meu Deus, que confusão! Mil perdões pela minha confusão! — disse-lhe, subindo de volta ao meu quarto.
            Tudo ficou tão claro de repente. Era sábado! O meu sábado não existira! Ana não existiu. Cada vez mais nossa conversa ia ficando embaçada na minha memória, dissolvendo-se com o passar das horas, na verdade, dos minutos. Tranquei-me e chorei profundamente, durante muito tempo. Ela realmente era um sonho. Fora tudo um sonho! Ela foi um sonho! Mas eu a amava ainda tão fortemente, de forma tão sólida, tão física. Como pudera tudo não ter passado de um sonho!
            Procurei o restaurante onde havíamos estado e ele não existia. Jantei em qualquer lugar mesmo, estava fraquejando de tanta fome. Na volta, parei no hotel onde ela estaria hospedada e procurei por ela. Não havia nenhum registro e ninguém jamais a tinha visto.
            Por fim, fiquei o resto da noite no banco próximo ao quiosque defronte o meu hotel, numa esperança remota de que ela aparecesse. Não apareceu. Já havia desistido e pronto para voltar ao meu quarto quando decidi falar com a moça que estivera falando com ela antes.
            — Boa noite!
            Ela me sorriu.
            — Estou procurando uma moça…
            — Uma moça?
            — Sim, eu a vi conversando com você ontem à noite.
            — Desculpe, é que eu converso com tantas pessoas, mas, se puder descrevê-la, eu tenho boa memória — falou, solícita.
            — Estou contando com isso. Ela é alta, quase da minha altura, magra, esbelta na verdade. Tem longos cabelos negros… Deixa ver, sobrancelhas arqueadas, a pele bronzeada…
            — Eu acho que sei de quem você está falando.
            — Sabe?
            — Sim, ontem eu acho que ela estava usando uma saia bem comprida.
            — Ela mesma — meu coração disparava. — Não fora um sonho! Pelo menos não totalmente. Eu estava salvo!
            — O nome dela é Letícia.
            — Letícia?!
            — Sim. Ela não é daqui, é de Pernambuco. Estava de férias, hospedada no hotel aí em frente. É uma pessoa maravilhosa, fizemos uma boa amizade.
            — Você disse que ela se chama Letícia? Só Letícia? Estava de férias? É de Pernambuco?
            — Exatamente, por quê? Não era essa?
            — Não, pelo contrário, ela mesma. Você sabe mais alguma coisa? Ainda está aqui?
            — Bem, ela me disse que era professora. Tão novinha! Não é comum encontrar professoras novinhas. Mas infelizmente ela foi-se embora hoje pela manhã. Ontem ela esteve aqui para se despedir.
            — Foi embora? Que pena!
            — O senhor a conhecia?
            — Não, quer dizer, agora acho que sim. Muito obrigado! Boa noite! — eu estava aflito, um tanto afobado, sem conseguir raciocinar direito.
            Ela deu-me adeus. Retornei ao hotel, mas não consegui nenhuma informação, informações sobre hóspedes eram estritamente sigilosas. Só me informaram que ela havia deixado o hotel no sábado pela manhã, de volta ao Recife.
            Minha cabeça estava uma confusão de pensamentos. Como era possível tudo aquilo? Como ela poderia ser somente um sonho? Como eu poderia saber tanto? Passei toda a noite acordado, pensando, chorando, pensando.
            Na manhã seguinte, arrumei minha bagagem e antecipei minha volta. Se ficasse mais tempo enlouqueceria. Enquanto esperava que minha conta fosse encerrada, fui ao hotel onde ela ficara e perguntei novamente, agora apresentado seu nome. A mesma moça do dia anterior me atendeu.
            — Ah! sei quem é. Dona Letícia! Engraçado chamar de dona uma moça tão jovem. Ela é uma pessoa ótima, e sua filha é um amor.
            — Como assim? Filha?
            — Sim, ela estava com a filhinha de um ano.
            — E como se chamava ela? A filha.
            — Ana.
            — Ana? Tem certeza?
            — Sim.
            Voltei ao meu hotel, fechei a conta e sumi dali.
            No ônibus, durante a minha volta para Recife, eu não conseguia pensar em mais nada. Definitivamente havia um grande mistério em tudo isso. Qual explicação? Não haveria explicação. Um sonho? Uma realidade? Os dois? Talvez fosse melhor assim, afinal, eu não poderia viver isso além do sonho, e só em sonho eu podia permitir-me amar tão intensamente. A realidade aos poucos se foi fazendo presente, os sentimentos tomando suas verdadeiras colocações. Quem sabe um dia eu a encontre, olhe para ela e sinta o gosto maravilhoso de seu beijo, e ela nunca saberá que já desfrutei de sua tão agradável companhia. O destino às vezes é tão cruel, e também tão sábio. Vivi o amor mais intenso da minha vida. Um amor que na vida real eu não viveria, decerto, não daquele jeito. Olhei para a aliança em minha mão esquerda e dormi durante o resto da viagem, dormi um sono tranquilo e não sonhei mais com ela.

            Dobrei o papel, após reler o conto e relembrar a dor que me acompanhara por toda a vida. Minha carreira como jornalista foi um fiasco, minha vida sentimental, idem. Ainda bem que sou um grande e triste escritor. Tenho idéias para histórias e sonhos para suplantar a realidade. Chorei por Ana, que nunca mais cruzou pelos meus olhos, mas que povoou meus sonhos e me inspirou ao longo desses tantos anos.

sábado, 18 de dezembro de 2010

A mulher dos meus sonhos - parte 3

Após um tempo de ausência, em virtude do excesso de trabalho de final de semestre, segue a continuação do conto... espero que gostem!


A mulher dos meus sonhos


(...)



            O despertador me acordou cedo naquela manhã de sábado. O sol já ia alto, fumegante. Pela janela pude contemplar a praia, o mar, que se estendia primeiramente esbranquiçado, depois ia clareando, de verde ao azul mais profundo, mais distante também. A areia estava pontilhada em toda a sua extensão de pessoas que tomavam o sol da liberdade, havia também um colorido maravilhoso dos guarda-sóis ao longo da faixa de areia branca que se estendia a perder de vista.
            Tomara café rapidamente, pois com o adiantado da hora já me vi chegando atrasado ao compromisso para o qual fui designado.
            O encontro de jornalistas do Nordeste, patrocinado pela Associação de Jornalistas do Nordeste, teve duração de longas quatro horas. Confesso que fiquei decepcionado, realmente não era tudo o quanto me haviam dito no jornal. Um encontro cansativo: repleto de palestras e mesas redondas corridas, sem muito a acrescentar.
            Quando cheguei ao hotel já passava das duas horas. Minha intenção era tomar um banho e descer para almoçar em algum restaurante das redondezas, contudo o meu cansaço vencera-me sem tréguas. Após o banho, caí refestelado sobre a cama e adormeci.

            Acordei tarde, pela janela vi o dia escurecendo. Um vento frio soprava da janela entreaberta do quarto. As cortinas balançavam; por um momento consegui escutar o chacoalhar das folhas dos coqueirais. Levantei-me, minha fome fora vencida pelo cansaço, mas voltava a toda. Desci e fui à procura de um bom lugar para jantar. Na saída, vi, no mesmo quiosque, a mulher do dia anterior. Era a mulher dos meus sonhos, pensei. Conversava animadamente com a atendente, pareciam íntimas. Talvez morasse nas redondezas. Ignorando os apelos da minha consciência, dirigi-me ao quiosque. Fiquei ao lado dela, era alta, esguia, imponente. Estava diferente, sorria um sorriso como poucas vezes na vida pude contemplar. Natural e encantador, completamente diferente da primeira impressão que tive. Pedi um coco bem gelado, tomei-o ali mesmo. Precisava falar com ela, meu coração pedia. Mas como? Como abordá-la de modo despretensioso? Olhava-a com o canto dos olhos. Continuava a ignorar-me. Perguntei ao rapaz que me atendera onde havia um bom restaurante por perto. Realmente minha pergunta fora quase uma desistência da moça, pois naquele momento eu não tinha como lhe perguntar nada, eu nunca sabia como abordar uma garota, nunca soube em toda a minha curta vida. Retirei-me dali desistindo dela, na direção que me fora indicado.
            — Com licença… — senti um leve toque em meu ombro. Ao me virar, para ver quem era, quase caí ao vê-la diante de mim, enxergando-me pela primeira vez. Antes de qualquer reação minha, ela emendou. — Eu ouvi você, lá no quiosque… Você não é daqui, certo?
            — Não… — disse, com a voz quase sumindo.
            — É pernambucano?
            — Sim… Mas, como sabe?
            — Pelo sotaque! Também sou de lá, estou aqui há uma semana.
            — Morando aqui?
            — Não, passando as férias — completou, repetindo o sorriso de minutos atrás.
            Quase não pude acreditar no que estava acontecendo. Algum tempo depois, conversávamos animadamente, sob um belo céu estrelado. O vento soprava suavemente em nossos rostos.
            — É bom encontrar alguém conhecido. É a primeira vez que venho aqui e estou completamente perdido. Sou jornalista e vim a trabalho para cá… A propósito, você já jantou?
            — Eu? Não…
            — Aceitaria jantar comigo?
            Ela me pareceu um pouco relutante. Talvez eu tivesse me apressado demais, afinal, nem sabia o seu nome ainda.
            — Bem, acho que não há nenhum mal.
            — Olha, se você já tiver algum compromisso, eu irei entender.
            Ela sorriu. Seu sorriso era lindo, não me cansarei nunca de dizer. Seus olhos amendoados também. Sua voz era suave, terna, sempre pausada, sempre comedida. Cada palavra era dita com uma graça que eu nunca saberia explica ou sequer traduzir. Sorria sempre baixo, sempre mostrando o que tinha de melhor.
            — Não, não tenho. Eu adoraria jantar com você.
            — Então vamos!
            — Mas eu não estou arrumada…
            — Ora, você está linda! — disse, no susto, sem planejamento.
            Ela ruborizou-se. Tornamos a caminhar pelo calçadão.
            — Ainda não sei o seu nome — comentei.
            — Ah, é verdade. Eu me chamo Ana. E você?
            — Você tem um lindo nome, lindo mesmo. O meu é Gustavo.
            — Também é bonito. Mas você é gentil ao dizer que meu nome é bonito.
            — Não sou gentil, só estou sendo honesto.
Ela ficou mais uma vez ruborizada. Caminhamos em silêncio até o restaurante, que ficava a duas quadras de onde estávamos.
            Pedimos um peixe e vinho para acompanhar. Trocávamos longos olhares silenciosos enquanto degustávamos o excelente prato que nos foi servido. Depois de algum tempo retomamos nossa conversa.
            — O que você faz, Ana?
            — Sou professora.
            — Professora de quê?
            — De química.
            — Ser professor deve ser desgastante, não é mesmo? Principalmente de uma disciplina como química. Está certo que não é o meu forte, mas sempre gostei dela.
            — Difícil é, mas sempre existe o modo certo de ensinar.
            Tomei o cálice e o ergui:
            — Em sua homenagem, professora…
            Ela sorriu e ficou em silêncio. Conversamos ainda bastante durante o jantar. Conheci muito dela e descobri diversas afinidades em comum, principalmente musicais. Ela se portava com uma elegância que poucas vezes vi em outra mulher. Era discreta e seu olhar era magnífico e penetrante. A toda hora ela sorria, por quase qualquer coisa, mas era um sorriso sincero, o que a tornava ainda mais encantadora. Aos poucos fomos os dois nos soltando, falando de nossas vidas. Descobri que ela tinha 22 anos e que não morava mais com os pais.
            — Mora sozinha?
            — Não…
            Meu coração gelou naquele momento, talvez fosse casada, morando com alguém. Não sabia se insistia mais na conversa, ou se mudaria o rumo da nossa prosa. Mas antes que eu pudesse reagir de alguma forma, ela emendou:
            — Tenho uma filha.
            — Então você é casada?
            — Não, sou separada. Acabei virando um pouco mãe solteira.
            Estava atônito, pois não sabia o que lhe dizer naquele momento. Estava feliz e queria demonstrar isto a ela, mas não sabia como.
            — Ela tem um ano e é uma princesinha.
            — Se for tão bela quanto a mãe…
            — Ah! deixa disso, você quer me deixar encabulada.
            — Mas eu quero mesmo.
            — Então eu também vou lhe deixar encabulado.
            — Duvido.
            — Você tem uns olhos lindos…
            Por incrível que pareça, fiquei sem ação e corei. Ela sorriu e me olhou de um jeito que me deixou ainda mais envergonhado.
            — Deve ser difícil pra você trabalhar e cuidar de sua filha, não é?
            — Ah, é difícil sim, mas ela é um amor. É pena que não posso ficar com ela o tempo inteiro. Mas tenho uma pessoa que me ajuda.
            — Qual o nome dela?
            — É Letícia, é ainda um nome mais bonito que Ana.
            — Em hipótese alguma eu vou discordar de você.
            — Mas você ficou vermelho quando falei de seus olhos.
            — Um pouco.
            Olhávamo-nos profundamente. Naquele momento eu tinha vontade de beijá-la. Tomá-la em meus braços e dizer o quanto eu estava encantado. Mas não, pedi a conta e fomos embora. Caminhamos de volta, o vento soprava mais forte.
            — Posso confessar uma coisa, Ana?
            — Claro!
            — Ontem eu lhe vi pela primeira vez. Parecia que eu lhe conhecia há décadas.
            — Ontem? Como assim?
            — Foi na praia. Ali, nas imediações do quiosque. Eu estava saindo e você entrava no mar.
            — É sério? — confirmei com a cabeça.
            — E depois à noite, você conversava com a moça do quiosque.
            — Puxa, não vi você.
            — Mas é normal, geralmente eu passo despercebido para as pessoas. No seu caso é mais difícil.
            — Ah! não é verdade. E o que achou de mim? Posso já lhe adiantar, acho que me achou antipática, não? É sempre o que dizem de mim.
            — Não, não achei antipática não. Séria, apenas isso. E acho que é a forma correta da pessoa se portar — falei, tentando justificar para não ficar mal com ela.
            — Eu não gosto de ficar dando conversa por aí, não. Só fui falar com você porque tive certeza de que era de Recife.
            — E eu doido para falar contigo sem saber como.
            — Ah, deixa de brincadeira, Gustavo.
            — É verdade, menina.
            — Não sou menina!
            — Como não, tem só vinte e dois aninhos...
            — Independente e com uma filhinha de um ano?
            — E isto lhe impede de ser uma menina? Você é graciosa e tem a beleza da juventude.
            — Pára! Você só quer me deixar encabulada de novo.
            — Juro que não!
            Sentamo-nos em um banco da orla.
            — Adorei conhecer você — confessou-me ela de repente, enquanto olhávamos para o mar, enquanto escutávamos as ondas se quebrando na areia.
            — E eu de conhecer você.
            Estávamos tão perto um do outro, senti o seu perfume. Não sorria naquele momento, estava séria como das outras vezes. Tinha um franzido na testa que me preocupou um pouco.
            — Algum problema?
            — Não, nenhum problema…
            Mas havia sim, só não queria contar-me e eu tinha de respeitar. Conheci-a há algumas horas, e apesar de tantas afinidades, não lhe podia cobrar qualquer coisa que fosse. Aproveitei aquele momento para contemplar ainda mais sua beleza. Vi que o que realçava ainda mais seu rosto era a sua sobrancelha arqueada, tão bem desenhada, e empregava-lhe um ar ainda mais garboso. Na realidade, toda ela parecia ser desenhada, tão delicada, uma pintura apaixonante. Seus longos cabelos negros, com alguns fios caídos sobre seus olhos, agitavam-se com o vento.
            — Eu fiz algo que lhe deixou assim, Ana? — insisti, pois ela ainda permanecia muda.
            Ela virou-se para mim e sorriu.
            — Não é nada, Gustavo. Gosto de ficar pensativa de vez em quando. Não se preocupe que não é nada contigo.
            — Você estava com um ar tão melancólico.
            — Quer ver a foto de minha filha?
            — Hã? Sim, claro que quero!
            Ela abriu sua bolsa e tirou um retrato pequeno.
            — Ela é realmente linda, e muito parecida contigo.
            — Ela é um amor, é a minha razão de viver.
            — E onde está agora?
            — Com minha mãe. Não gosto de ficar longe dela, principalmente de dar trabalho a minha mãe, mas eu estava mesmo precisando de umas férias.
            Ela olhava atentamente para a foto. Descobri que sua tristeza eram saudades de mãe. Achei lindo aquilo, admirava-a cada vez mais. Aproximei-me ainda mais, e acariciei suavemente seu rosto. Ficamos nos olhando.
            — Você é tão linda…
            Puxei seu rosto e beijei-a suavemente na boca. Senti sua respiração ofegante, estava tão nervosa quanto eu.
            — Está ficando tarde — disse ela, afastando-me um pouco.
            — Desculpe-me se…
            — Pára, Gustavo! — e beijou-me, longamente. Um beijo, ao mesmo tempo, suave, ao mesmo tempo, intenso. Delicioso! Inesquecível!
            — Já posso dizer que te amo? — perguntei algum tempo depois, quando estávamos sem saber o que dizer um ao outro.
            — Não! — disse-me, e depois sorriu graciosamente. — Ainda é muito cedo, e se você dissesse, eu não acreditaria.
            — Já ouviu falar de amor à primeira vista?
            — Hum… mas que frase mais clichê!
            — Às vezes elas são as únicas que conseguem traduzir toda a verdade de um sentimento.
            Rimos os dois. Estava realmente tarde, ficamos conversando por várias horas e estava perto de dar meia-noite. O vento era frio e forte. Seu hotel era vizinho ao meu.
            — Você não quer que eu suba? — perguntei-lhe, já no saguão.
            — Calma! Você é muito apressadinho.
            — Podíamos ter uma maravilhosa noite de amor.
            — Verdade?
            — Sim!
            Sorrimos alto, consegui arrancar dela uma deliciosa gargalhada.
            — Olha, Ana, eu estou brincando. Apesar de querer muito fazer amor com você… Mas eu me contento com um beijo — definitivamente eu enlouquecera, pois não sabia como aquelas palavras, atropeladas, são de minha boca. Havia algo no vinho, decerto!
            Ela me deu um longo beijo, depois pegou a chave na recepção e a vi desaparecer no elevador, enquanto acenava para mim.
            — Pois eu já te amo, Ana… — disse baixinho, quando ela desapareceu completamente.
            Regressei ao meu hotel, ao meu quarto, à minha cama. Estava tão cansado, tão feliz. Felicidade embriaga. Amanhã (ou hoje) já seria domingo e teríamos mais um dia maravilhoso pela frente. Eu só queria dormir e sonhar com ela. Desabei no colchão e adormeci profundamente.

sábado, 11 de dezembro de 2010

A mulher dos meus sonhos - parte 2

Segue a continuação do conto...



A mulher dos meus sonhos


(...)


            Era uma manhã de sexta-feira do mês de dezembro. Fazia muito calor naquele dia quando tomei o ônibus para Maceió. Há pouco escrevera minha primeira reportagem, estava feliz como poucos. Durante todo o caminho eu pensava na minha sorte, na guinada que minha vida dera em pouco mais de um ano. Ainda lembro procurando emprego de jornal em jornal, recém-formado, numa época dramática para a imprensa. Mesmo assim eu precisava de um sustento, de um alento.
            Não havia ninguém ao meu lado, talvez não se contasse quinze pessoas em todo o ônibus. A paisagem era gratificante, o vento forte que entrava pela janela abrandava o calor causticante e ajudava a refrescar os pensamentos, organizar as ideias para os próximos dias.
            Lembro-me de ter cochilado por alguns minutos, bem na divisa entre Pernambuco e Alagoas, sonhara com algo que não me lembrava. Num certo momento, abri a minha pasta e retirei um pequeno caderno de brochura. Havia já muita coisa escrita e estava bem gasto. Era nele que eu desenhava as minhas primeiras histórias, garranchos que depois na máquina de escrever adquiriam forma. Eu tinha uma ambição ainda maior que a de ser um grande jornalista, era ser um escritor de fama e reputação. O sonho era ver alguém lendo obras minhas, e principalmente, debatendo, criticando. Eu começava um novo conto, havia escrito as primeiras linhas, mas me faltava a história. Segurei a caneta nas pontas dos dedos e me recostei na poltrona, pensativo. Queria uma história de amor, uma que fosse rápida, que durasse poucas páginas, mas que fosse tão intensa quanto um texto de Clarice (Lispector). Não obstante, por maior esforço que eu fizesse, por mais que pensasse, não brotava uma ideia sequer. Sorrindo e eu pensei: “preciso viver uma grande história de amor… grande mesmo, arrebatadora…”, mas no mesmo instante, sorri o sorriso incrédulo, até mesmo debochado. É impossível, conclui. Adormeci novamente e fui acordado pelo cobrador, já no terminal rodoviário. Fiquei deveras constrangido, minha pele alva denunciava facilmente meu embaraço. Guardei o caderninho na pasta e tomei minha bagagem, que era pouca, apenas para o final de semana.
            Cheguei ao hotel minutos depois, de táxi. A cidade era pequena, porém aconchegante, conservando uma beleza e inocência que eu sentia falta no Recife. O hotel ficava em Ponta Verde, bairro nobre de Maceió, defronte à praia. Olhei apenas de relance o que tinha em minha volta. Depois andaria pelas redondezas para conhecer melhor o lugar, porém devo confessar que senti uma vontade louca de me jogar no mar. E o fiz, depois de ter-me acomodado em meu quarto, avisado à família que estava instalado e feito os contatos profissionais mais urgentes, afinal eu estava ali a trabalho.
            A água era uma delícia e o sol escaldante me fez não querer mais sair de dentro daquela água tão doce, apesar de salgada. Ah, que vida deliciosa! Mas não me demorei muito, tinha um encontro à tarde com o redator do jornal local.
            Estava saindo do mar, quando vi algo que me perturbou. Ela passou por mim como se eu não existisse, como seu eu fosse apenas o vento, quase me derrubando. Seu olhar me pareceu frio, apesar do calor e do sol intenso. Seguiu até o mar, onde mergulhou, surgindo metros adiante. Fiquei paralisado, no meio do nada, como se estivesse no deserto e olhasse um oásis, tentando imaginar se seria real ou mera ilusão. E assim, parado, fiquei por alguns minutos, olhando aquela mulher. Admito minha indecisão sobre se fiquei mais chateado com sua rudeza ou encantado com a beleza dela. Baixei a cabeça e retornei ao hotel, sem uma conclusão acerca dos sentimentos.
            O meu encontro com o editor chefe do jornal fora tranquilo e bastante proveitoso. Ele já havia lido algumas matérias minhas e me confessara que meu futuro no jornalismo era promissor. Conversamos por longas duas horas, à beira da piscina de sua casa, há poucos quilômetros do hotel onde eu estava hospedado. Comentara que o encontro do dia seguinte (motivo pelo qual eu havia me abalado de Recife até ali) não acrescentaria muito à minha carreira, a não ser como experiência. Tive de concordar, visto que eu mesmo relutei bastante antes de aceitar a incumbência de representar meu jornal.
            À noite eu saí para conhecer um pouco do litoral, da orla marítima. Caminhei muitos metros, muitos minutos. A noite surgia iluminada pelo festival de estrelas luzentes e uma incrível lua cheia, a lua dos amantes. Pensei instintivamente em minha história. Hoje seria o dia ideal para se começar uma bela e inesquecível história de amor. Sorri silencioso e escondido enquanto vagava morosamente no meu retorno para o local de onde eu partira. Havia um quiosque defronte ao hotel e pedi uma água de coco. Sentei-me no banco mais afastado, distante da luminosidade do poste e sonhei acordado enquanto sorvia aquele néctar e via o movimento das pessoas. Fiz uma longa reflexão da minha vida, dos principais acontecimentos. De repente, juntamente com uma deliciosa lufada de vento, surge aquela mulher, a mesma mulher, alta, de corpo esguio, de cabelos tão longos quanto a sua beleza. Estava pedindo algo no quiosque, uma água de coco decerto. Ficara ali parada, conversando com a atendente, mas à minha disposição, para que eu a contemplasse em toda a sua plenitude. Ela continuava séria, tão séria quanto a lua, serena, e tão radiante quanto o sol, iluminada. Em breves momentos, lampejos de um sorriso abrasador, por isso mesmo, apenas lampejos. Usava uma blusa azul justa, delineando seu corpo bronzeado, deixando de fora um pouco de sua barriga. Trajava ainda uma longa saia pinçada, que alcançava os calcanhares, de um tecido tão leve como a seda, que se deixava esvoaçar pelo vento. Os cabelos negros, escorridos como as águas do mar, reluziam toda a sua bela negritude, esvoaçando com a brisa marítima. Era encantadora! Olhou-me, não para mim na verdade, olhava além de mim, talvez o infinito. Tinha o rosto miúdo, bem contornado, e lindos olhos castanhos, o nariz pequeno e afilado, a boca desenhada a mão. Era linda! Vi-a mais cedo, e naquele momento lembrei-me dela usando um biquíni preto com detalhes multicoloridos, e seu corpo era perfeito. Ela era perfeita!
            Meu coração disparara e senti meu corpo gelar quando veio em minha direção. Não olhava para os lados e não me veria mesmo que me atirasse sobre ela. Passou por mim e seguiu adiante. Meus olhos enxergaram rapidamente o chão e uma montanha de gelo despencou sobre minha alma dilacerada. Era-me proibido olhá-la, olhei-a; era-me proibido enamorar-me dela, enamorei-me; era-me proibido desejá-la, desejei-a. Ela nem sabia que eu existia, e mesmo que soubesse, fingiria que não. Tão altiva, tão dona de si, não seria nunca eu um homem para ela; e mesmo assim, se me pedisse a lua, entrega-la-ia; se me pedisse ao sol, ele nunca mais tornaria a brilhar, a não ser para ela. E logo tomei consciência de quem eu era, do que eu era, levantei-me e atirei o coco vazio na lixeira e segui para o meu quarto de hotel, com minha cabeça repleta dela. Os pensamentos naquela mulher nobre, de rosto tão incrivelmente belo.
            No refúgio de meu quarto, no abrigo do meu travesseiro chorei pela impossibilidade do meu amor. Odiei o destino e a vida por me fazerem apaixonado por uma miragem, por um sonho. Estava cansado e adormeci, na esperança de que pelo menos em sonho ela pudesse ser minha, e pudesse me amar tanto quanto eu já a amava.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A mulher dos meus sonhos - parte 1

Bem, conforme prometido, segue o início de um novo conto...



A mulher dos meus sonhos
  

            O dia amanheceu quieto. Havia um mistério pairando sobre tudo. Era daqueles dias de inverno, quando o sol não quer aparecer e as nuvens cobrem tudo, deixando o mundo soturno, uma atmosfera lúgubre que atinge todos os seres. Todos querem a solidão, todos querem os lençóis, inclusive o sol que se recusa a nos iluminar. O frio chega junto, o vento gélido entra devagar, congelando a alma e os corações. Os galhos retorcidos das velhas árvores agitam-se de maneira desorientada, formando um balé confuso e disperso. Aquele era, enfim, mais um dia de inverno.
            Acordei-me cedo, como de costume, já que o sono não me era tão companheiro. Ainda não havia dado seis horas e o domingo seria longo demais. Tomei um banho quente que me despertou. Forrei o estômago com café e torradas. Não havia ânimo para nada, eu não tinha ânimo, ninguém o teria.
            Sentei-me no sofá e li algumas páginas do jornal do dia anterior. Ouvi quando o jornaleiro atirou o jornal dominical no jardim. Em pouco tempo eu já havia passado a vista também no último.
            Resolvi recolher-me ao escritório. Sim, ele era o meu refúgio. Pequeno e simpático, arrumado segundo as minhas preferências. Havia uma escrivaninha, uma estante que chegava ao teto, abarrotada de livros, uma pequena mesa e no canto, o meu computador. Num local mais afastado e discreto, podia-se ver uma máquina de datilografar, onde eu escrevera as minhas primeiras histórias. Eu tinha muito carinho e sempre sentia uma grande emoção quando me permitia recordar. A nostalgia aflorava sempre que eu começava a ler os manuscritos, as minhas primeiras aventuras no mundo das letras. Havia um armário de ferro onde eu guardava todos os originais dos meus romances, as minhas crônicas, os meus contos e poesias. Em vinte e cinco anos de carreira eu havia conseguido uma vasta obra; embora o sucesso não tivesse batido à minha porta, a produção fora intensa. Os primeiros quinze anos foram escritos na velha máquina de teclas duras. Realmente o meu coração batia mais forte cada vez em que eu olhava mais detidamente.
            No momento, eu escrevia o meu décimo segundo romance e todos os dias, inclusive sábados e domingos, eu me enclausurava no escritório durante quase oito horas, intercaladas para rápidos lanches e o almoço.
            Passava de uma hora da tarde quando tocou o telefone da sala, antes de atendê-lo, olhei pela janela o sol que ia alto e pensei em como o tempo muda de humor rapidamente. Atendi quase no último disparo. Do outro lado, um grande amigo meu, Cláudio, talvez o último, tendo em vista a minha pouca sociabilidade. Disse que precisava falar urgentemente comigo. Marcamos num restaurante que ficava a poucos minutos de minha casa. Acabei gostando do telefonema, pois há alguns meses não o via, desde que comecei a escrever o novo livro. Estava também precisando de um descanso para os dedos e para a mente.
            Cheguei primeiro que ele no local combinado. Cláudio era um amigo dos velhos tempos, dos tempos de colégio, e foi um dos meus grandes incentivadores quando comecei na arte da escrita. Estava tão distraído que não o vi chegar. Demo-nos um longo abraço.
            — Quais são as novidades? — indaguei prontamente, assim que ele se sentou.
            — Ei, rapaz, espera um pouco, me deixa pedir logo uma cerveja!
            Quando o garçom deixou a garrafa sobre a mesa, ele falou:
            — Estou com problemas, Guto…
            — Problemas? Você sempre está com problemas! Defina o seu problema.
            Ele sorriu simplesmente, mas percebi uma estranheza no seu olhar. Um escritor acaba, muitas vezes, descobrindo as sutilezas dos sentimentos humanos: quando se está feliz, quando se está triste, quando os problemas são pessoais, quando são profissionais. Acabamos muitas vezes nos tornando psicólogos.
            — Os problemas são caseiros…
            — Tem brigado com Ana? Pensei que as dificuldades tinham sido superadas.
            — Não é bem isso…
            — E o que é? Apaixonou-se por outra mulher? — brinquei.
            — Exatamente…
            Naquele momento fez-se um silêncio mórbido e talvez nenhum de nós dois quisesse estar ali. Cláudio era um tanto maluco, por vezes irresponsável, mas eu sempre o tive como o mais fiel dos homens, até mais do que eu.
            — E que você está me dizendo, Cláudio? Como isso foi acontecer?
            Ele baixou a cabeça e sentiu que o reprovava. Quando a ergueu, vi os seus olhos vermelhos, as lágrimas prestes a desabar.
            — Eu juro que não procurei. Juro! Você sabe, Guto, que nesses anos de casamento, mesmo com todas as dificuldades, as divergências entre mim e Ana, nunca olhei para outra mulher. Só que dessa vez aconteceu, e foi mais forte, muito forte.
            — Me explica melhor essa história.
            Cláudio contou que conheceu Luana numa festa do banco onde ele trabalhava. Era uma mulher vistosa, de cabelos longos e lisos, castanho-claros, com um corpo invejável. Conheceram-se e ela, aos poucos, mostrou-se interessada nele. Segundo suas próprias palavras, era assustadoramente encantadora. Depois de três encontros sociais, aconteceu o primeiro beijo, ainda no trabalho. Ela então se confessou apaixonada por ele. Cláudio disse-me que ela tinha trinta anos, quinze anos mais nova que ele, o mesmo tempo que ele tinha de casamento. Ele concluiu dizendo que havia transado com ela no dia anterior.
            — Estou perdido! — desesperou-se.
            — O que pretende fazer?
            — Eu não sei, não faço idéia… Estou completamente apaixonado por Luana, completamente.
            — Cara, que situação! Eu não queria estar no seu lugar, não saberia o que fazer.
            Ele me olhou nos olhos e sorriu. Subitamente a névoa em seus olhos sumira, como havia sumido as nuvens carregadas da manhã.
            — Eu vou pedir o divórcio — revelou, pausadamente, serenamente.
            — Ficou maluco! Você tem filhos, não se pode deixar levar por uma aventura. Talvez ela nem goste de você de verdade, pode ser apenas um rompante.
            — Rompante ou não, eu não posso continuar assim! Eu sei que você vai me condenar, todos vão. Mas eu quero viver minha vida! Quero viver os momentos quando eles se apresentam diante de mim. Eu amo Luana e é isso o que importa.
            Fez-se novamente um longo silêncio, terminávamos nosso almoço.
            — Talvez você tenha razão, meu amigo. Às vezes deixamos passar os grandes momentos e não teremos como buscá-los de novo.
            Cláudio não falou mais nada, apenas concordou. Naquele momento ele estava feliz.

            A noite era completamente diferente e o céu brilhava, refletindo as luzes das tantas estrelas. Soprava uma brisa agradável que vinha do leste. Subi ao primeiro andar e permiti-me ficar na varanda observando as estrelas, a lua, sentindo aquele vento tão agradável assanhando-me os cabelos. Em minhas mãos eu tinha alguns papéis: era um conto que fora escrito vinte anos antes e que nunca fora lido por ninguém mais. Ao lado do título ‘A mulher dos meus sonhos’ estava escrito, em letras gigantes: não publicar! Li-o até a metade, conhecia bem a história. Algumas lágrimas amargas salgaram-me a boca. Apertei os papéis contra meu peito e fechei os olhos saudosos, tentando lembrar-me daquela época. Como a vida é engraçada, como as histórias se repetem…