sexta-feira, 29 de abril de 2011

Primeiras Memórias - parte final

Enfim, a parte final deste conto. Aqui se encerra a história iniciada em "Memórias Sujas". Espero que tenham gostado do texto, da história. Agora, aproveitem o restante deste tenebroso conto.



III


            Acordei tranquilamente como de um sonho, ou de modo súbito, como de um pesadelo? Não lembrava. Senti que minhas mãos tremiam. Eu suava. Mas ao mesmo tempo estava em paz. A mente vazia, sem pensamentos maléficos; na verdade sem quaisquer tipos de pensamentos. Teria sido apenas um sonho ou um pesadelo, que dúvida! Mas onde eu estava?  Era tudo branco ao meu redor. Paredes nuas, sem marcas, recém-pintadas. Senti o suor encharcado na minha camisa. Levantei a cabeça, tentando olhar ao redor. Uma tontura impediu-me de prosseguir, mas tentei levantar-me. Meus pulsos estavam presos, amarrados a uma cama de ferro. Olhei tudo ao redor. Na janela, à esquerda, grades brancas e uma cortina que esvoaçava com a brisa. Meus braços estavam presos, os dois, e eu vestia um pijama esverdeado. Tentei forçar, mas senti dores no corpo inteiro. Era como se eu tivesse levado uma surra. Que lugar era aquele? Um quarto de hospital? Não, não, não! Eu estive aqui meses atrás, na época do meu surto. Era um hospital psiquiátrico!
            Foi quando tudo me veio à mente, e eu tornei a me deitar.

* * *

            Seus olhos estavam fixos em mim. Não se podia identificar qualquer reação. Será que ele ficou chocado com tudo que eu acabara de revelar? Afinal, era um psiquiatra com alguns bons anos de experiência. O filho pródigo da família.
            — Não tem nada para falar, doutor? — provoquei.
            Ele tentou murmurar algumas palavras, mas não saíram palavras de sua boca.
            — O gato comeu sua língua? — insisti.
            — Estou pasmo com tudo isso — disse o médico, finalmente. — Eu não conheço você… Ninguém conhece você!
            — É claro que você não me conhece! — disse, alteando minha voz. — O mundo sempre girou em torno de você. O filho pródigo, o filho bem sucedido! Que importância teria o filho caçula problemático?
            — Você foi quem causou tudo! Foi você quem sempre quis chamar a atenção dos nossos pais. Não jogue sobre os outros uma responsabilidade que não nos cabe.
            — Besteira!
            — Você é um assassino, Gustavo! Você matou pessoas!
            — Eu não matei ninguém — disse, calmante, levantando-me.
            — Onde você pensa que vai? Você não pode ir embora assim. Você tem que se entregar à polícia — falou meu irmão, segurando-me pelo braço.
            — Ficou louco! — gritei. — Quem você pensa que é? O que você sabe da vida? Onde você estava quando o pai estava trepando com aquela vagabunda? São todas vagabundas! Todas mereciam morrer!
            — Você está louco! Veja as sandices que está dizendo!
            — Sandices? Se tivesse visto. Nossa mãe não merecia aquilo! — berrei com toda a força dos meus pulmões.
            — Louco! — disse, desabando sobre sua poltrona, com as mãos na cabeça. — Você inventou essa história. Foi por causa disso que você o surrou naquela época?
            — Ele trepando com aquela puta, um dia antes da mãe voltar de viagem…
            — Seu idiota! Você fantasiou tudo! Você imaginou tudo! Ele passou o final de semana comigo, me acompanhando numa visita da faculdade. Seu imbecil!
            Fez-se um silêncio de alguns segundos que pareciam horas intermináveis.
            — O que você está dizendo? — perguntei, atônito.
            — Você matou pessoas utilizando-se de um argumento falso, de uma história que só você acreditou. Justificou seus crimes por algo que não existiu!
            — Não, não pode ser…
            Minha cabeça estava a mil. Como poderia? Aquelas palavras feriam meus ouvidos. De repente, a plena lucidez se fez novamente em mim. Ele continuava a falar.
            — Você precisa de um tratamento. Seu caso é muito pior do que eu imaginava. Meu Deus!
            — Eu estive errado esse tempo inteiro…
            — Esteve…
            — Eu achei que só ele era culpado…
            — Como?
            — Você o acobertava!
            — O quê?
            — Você o ajudou, encobertou todas as sujeiras dele.
            — Do que está falando, Gustavo.
            Tudo ficou tão claro para mim. Pulei sobre meu irmão, meu irmão traidor. Eu era mais forte, e foi fácil derrubá-lo no chão. Foi tão simples socar seu rosto, deformar seu nariz, fazer brotar sangue de cada poro dele. De repente, alguém tentou me segurar. Era a secretária gorda e o rapaz que estava na outra sala. Empurrei os dois. Peguei um vaso de porcelana e quebrei sobre a cabeça do homem, que caiu desmaiado no chão, com o sangue escoando ao lado da cabeça. Com um pedaço do vaso, penetrei a garganta da mulher, que ficou ali. Senti um golpe forte nas costas. Caí de joelhos, e aos poucos minha visão foi-se escurecendo. E na penumbra ainda consegui ver outras pessoas entrando, senti chutes no meu corpo inerte. Ainda ouvi meu irmão dizer que bastava. Ouvi passos de policiais, de enfermeiros, de tanta gente que nem lembro mais. Tanto faz! Nada mais importava, pois em breve seriam apenas lembranças. E adormeci tranquilamente.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Primeiras Memórias - parte 2

Sem mais delongas, segue a 2ª parte do conto Primeiras Memórias... espero que gostem!


II


            O caminhar era tranquilo. Seus passos prosseguiam firmemente, num ritmo bastante regular. Era o alvorecer. Desde que saíra da casa dos seus pais, há pouco mais de seis meses, procurava criar uma rotina. Ainda havia lapsos de memória de sua briga com o pai, briga tal que sua mãe nem teve coragem de intervir a seu favor, como tantas outras vezes ela fizera. Isto provavelmente o tenha ferido mais. O soco que dera no indivíduo que o criara, educara, amparara em tantos momentos, fora o ponto decisivo para arrumar suas malas e sair de casa para nunca mais voltar. Nas suas longas caminhadas diárias, pelo centro do Recife, nas ruas ainda sem nenhum movimento, serviam para rever todos esses momentos decisivos. Mas, sem dúvida alguma, isto o cansava, o deixava irritado. Ainda tinha a lembrança viva de encontrar seu pai com aquela vagabunda, na cama de sua mãe. Ele não me vira no momento, mas o horror do sexo ainda martelava sua cabeça. Fora a gota d’água! No dia seguinte, quando sua mãe já estava de volta, gritava e socava seu pai, chamando de imundo, porco, entre outros impropérios.
            Chegou de volta ao seu apartamento antes das cinco e meia, mas o sol já ia alto. Era segunda-feira e aquele seria o primeiro dia de trabalho, recém-saído da universidade. Queria fazer carreira, deixar todos os fantasmas de lado, e um dia chegar aos pés de sua mãe e pedir perdão por tudo que a tinha feito sofrer.

* * *

            O ambiente ao final do dia era menos assustador do que imaginara. E durante a semana não fora diferente. O trabalho estava dentro do que ele esperava, e não o exauria tanto outro trabalho. Outro ponto positivo, a seu ver, era a equipe de trabalho, seus colegas diretos pareciam muito simpáticos e atenciosos, dispostos a ajuda-lo sempre. Contudo, o que chamou realmente sua atenção fora uma moça que trabalha em outro setor da empresa, na parte de comunicações. Durante a semana houve algumas trocas de olhares, rápidas, mas com profundo significado para ele. Na sexta-feira, seguiu-a até em casa, tal era seu encantamento. Quando ela entrou, ele sentou-se do outro lado da rua, em uma pequena praça escura e abandonada. Na verdade, não fazia ideia da razão de estar ali, era algo completamente incongruente, por assim dizer. Mas estava tentado, absorto com a beleza daquela menina. No ambiente de trabalho seria difícil uma aproximação. E ele ainda não havia descoberto se ela tinha namorado, ou mesmo se estava envolvida emocionalmente. Decerto, estava apostando todas as suas fichas em uma atitude ousada, até certo ponto louca. Passava das nove horas quando ela saiu de sua casa, sem olhar para trás. Caminhou até o ponto de ônibus, seguiu-a, parando ao seu lado, sem olhar para ela. Havia trocado de roupa, tomado banho e estava exalando um perfume suave, ao mesmo tempo, inebriante. Nesse meio tempo, enquanto estava ao seu lado, não a olhou, para não dar mostras de que a seguia, a fim de não a assustar. Seu plano funcionara até melhor do que esperado, pois foi ela quem deu o primeiro passo.
            ­— Desculpa lhe incomodar — disse ela, com sua voz suave. — Mas eu não conheço você? ­— e antes que ele pudesse responder qualquer coisa, ela prosseguiu. — Você não trabalha lá na empresa?
            — Verdade! Puxa, achei que não iria me reconhecer — e mentiu. — Reconheci você quando estava me aproximando do ponto, não lhe incomodei, porque achei que você não gostaria de falar com estranhos ­— e antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, emendou: — Mas o que você faz por aqui, a essa hora?
            — Eu moro por aqui, nesta rua. Mas nunca vi você por aqui.
            — Mudei-me há pouco tempo. Moro duas quadras para lá — e apontou para um sentido oposto de onde ela mora. — E você está indo para onde?
            — Vou tomar um chope com uns amigos — e ela olhou para mim por alguns segundos, e emendou — Você gostaria de ir?
            Seguimos no ônibus conversando. O seu aceite foi imediato e foi a oportunidade de conhecê-la e saber que seu nome era Larissa, que morava com os pais e irmãos e tinha um namorado que estava viajando, militar do exército. Ela trabalhava havia dois anos na empresa, mas pensava em deixar por não ver maiores possibilidades de crescimento. Com o passar dos minutos, a conversa envolvente dela demonstrava a carência que ela sentia do namorado, bem como a dificuldade que ela tinha de manter aquele relacionamento à distância.
            — Eu tenho desejos, sabia. Qualquer mulher tem desejos!
            Desceram e caminharam até o barzinho onde ela combinou com os amigos. Mas o bar estava cheio, muito barulhento, e ela própria sugeriu que fossem a outro lugar mais tranquilo, porque a conversa estava muito agradável. Eles foram então para um bar algumas quadras depois e ficaram tomando cervejas. Ela cada vez mais se soltava, e falava sobre a difícil relação com os pais, e principalmente com o namorado.
            — Posso te contar um segredo? — disparou ela em certo momento. Ele apenas assentiu com a cabeça. — Já traí meu namorado. Sabe, ele estava há mais de seis meses longe. Eu não aguentei, é difícil, muito difícil. E eu tenho muito desejo.
            — Nossa! Isto é muito mais comum entre homens. Aposto que seu namorado tem outras onde ele está.
            — Ele nega, jura de pés juntos que é fiel. Mas você acha que eu acredito nisso? Homem é homem! Se eu tenho vontade de uma boa trepada, será que ele não tem? Mentiroso! É por isso que eu quero terminar tudo — concluiu ela virando um copo de cerveja.
            E a conversa de ambos seguiu flutuando e com fluência poucas vezes vista. Os assuntos foram-se tornando cada vez mais intensos e íntimos, para não dizer picantes. Era como se já tivessem uma convivência de anos. E os copos de cerveja se foram seguindo e aumentando.
            Passava da uma da manhã quando deixaram o local. Ambos estavam bêbados, ela ainda mais do que ele. Mas seu olhar mostrava traços de languidez, enquanto ela tinha olhos no vazio. Ele chamou um taxi e ambos seguiram para sua casa, algo que Larissa nem se deu conta. A viagem durou alguns minutos apenas, tendo em vista a ausência de trânsito naquele momento.

            Ela deixou cair a última peça de roupa. Seus olhos fintavam o corpo nu daquela garota incrivelmente bela. Os cabelos dourados, lisos, formando uma tela de um único tom com o corpo alvo, quase transparente. Os seios volumosos, firmes ainda, com mamilos róseos e eriçados, arfavam e acompanhavam a respiração ofegante dela. Ele continuou a fitá-la, sem conseguir piscar, sem conseguir mover um músculo da face. Depois murmurou apenas “bela” e a chamou para junto de si. Eles beijaram-se voluptuosamente, ardorosamente, como se quisessem arrancar do outro não apenas a respiração, mas também a alma. Ela tomou o sexo dele para si o sugou até quase o êxtase pleno de ambos, e tempos depois estavam se amando como animais nos instintos mais próprios e profundos. O exalar do suor tomava todo o quarto, e aos poucos o recinto foi tomado de um cheiro forte de sexo e paixão. Um completando o outro.
            Após algumas horas, quando os primeiros raios de sol invadiam o quarto através das persianas semicerradas, os corpos ainda nus de ambos repousavam sobre a cama. Foi ele quem primeiro levantou e depois se sentou ao lado dela. Olhando seu corpo brilhando, refletindo a luz matinal, sentiu algo estranho dentro de si. Continuava a contemplar o corpo jovial da menina dormindo, mas já não sentia a mesma atração de horas atrás, pelo contrário. Um torpor tomou conta dele, um asco que ele nunca havia provado, e veio o gosto amargo em sua saliva. Olhava e principiou a acariciar os fios louros daquele cabelo. Com outra mão percorria cada parte do seu corpo, num toque leve, quase imperceptível, passando pelos seios, pela barriga, parando sobre os pelos pubianos dourados, depois fazendo o caminho de volta. Toda ela brilhava. Uma lembrança perpassou em sua cabeça e vieram lágrimas aos seus olhos. Fechou os olhos e a vaga lembrança tornou-se sólida, com desenhos e contornos bem definidos. Ele viu o corpo dele sobre o dela, subindo e descendo. Os gemidos martelavam seus ouvidos, feriam seus tímpanos. A frequência aumentando até ele cair do lado, inundado de suor, enquanto ela, com seus cabelos platinados, permanecia com as pernas abertas, coberta ainda do suor dele. Uma súbita ânsia de vômito veio e fez com que ele abrisse os olhos. Fechou as mãos com força, segurando violentamente seus cabelos. Ela despertou assustada, urrando de dor.
            — Meu cabelo! Você está puxando meu cabelo!
            Ele limitou-se a olhá-la, sem mover um músculo da face. Seus olhos frios penetravam-na como punhais perfurando sua alma.
            — Pare! Pare, por favor! Você está me machucando! — gritava sem sucesso, e debatia-se, tentando segurar sua mão, num tentativa frustrada de fazê-lo soltar seus cabelos. — Por que você está fazendo isso, me solte, por favor!
            Foi quando, com a outra mão, desferiu um soco em seu rosto. Sentiu alguns dentes dela partirem-se e a pele se rasgar. E socou mais duas vezes, fazendo-a desmaiar. Soltou seu corpo inerte sobre a cama. O corpo nu agora era coberto de suor e uma mancha de urina que se alargava sobre o lençol. Minutos depois ela despertou, mas sem forças nem para falar, quase se engasgando com o próprio sangue na boca.
            Foi quando ele falou, pausadamente, pela primeira e última vez:
            — Sua vagabunda… Você destruiu minha vida, destruiu minha vida!
            Montou sobre ela e apertou com as duas mãos seu pescoço, apertando até que a pulsação cessasse por completo, até que restasse apenas o corpo inerte, morto, sob ele. Um pedaço de carne que seria devorado por vermes.

            Era madrugada quando Gustavo desceu carregando uma grande mala. Cumprimentou o porteiro que cochilava diante do monitor em preto e branco que mostrava apenas a entrada do edifício. Um taxi já o esperava na porta e o levou até o terminal rodoviário, bem distante do centro da cidade. Desceu carregando a pesada mala e saiu arrastando alguns metros ainda, em direção oposta ao que se podia supor qualquer um, caminhando para o esmo, em meio ao breu da noite. E em meio a essa caminhava, parava, abria a mala, e deixava pequenos sacos de lixo em meio ao matagal. Ao fim de uns cinco quilômetros, deixou a mala aberta, na beira da pista. E voltou. A lua crescente, acima dele, era a sua única testemunha.

* * *

            Dois dias depois, no trabalho, havia rumores sobre o desaparecimento de uma funcionária do setor de comunicações da empresa. Tempos depois, descobriu-se que ela havia fugido com um desconhecido, deixando uma família desesperada. O namorado nem quis saber de nada, apenas se limitou a dizer que sabia que ela não valia nada.
           
            Cerca de seis meses depois, Gustavo foi demitido por faltar mais de cinco dias ao trabalho, sem dar uma única justificativa.

domingo, 17 de abril de 2011

Primeiras Memórias - parte 1

Enfim, como eu disse há pouco, segue a primeira parte do conto. Recomendações que eu faço, se não tiver o estômago forte, leia com moderação, e se for à noite, leia com as luzes acesas. Brincadeiras e piadas sem graça à parte, segue. Boa leitura a todos e aguardo comentários!


Primeiras Memórias


I


            Eu parecia estar atrasado. Olhei no relógio apenas para constar, mas não, não estava atrasado. O ponteiro indicando meia hora a mais além do horário marcado serviu para mostrar que a culpa não era minha. Eram quatro e quinze da tarde, e a sessão deveria ter começado há algum tempo, o que de certa forma me causava um desconforto tremendo, visto que eu não queria estar ali de forma alguma. Havia mais duas pessoas na antessala: a secretária, uma senhora muito gorda, com um sinal horrível no canto esquerdo do que seria um protótipo de bigode, e um homem, esguio, mais velho que eu apenas alguns anos. Folheava uma revista com completo desinteresse, apenas para passar o tempo. Eu sacodia a perna, bufava de vez em quando, queria me fazer presente, e fazer ciente a minha angústia com aquela demora. Mais um tempo e olhei novamente para o relógio amarelado da parede: quatro e meia. De repente toca o telefone e a mulher atende. Além de tudo, ela era muito feia, pensei.
            — Seu Gustavo, o senhor pode entrar agora — falou ela, após pousar suavemente o telefone, o que achei um tanto contrastante com sua aparência rude.
            — Obrigado — disse ao passar por ela, observando as gotas de suor que rolavam de sua testa a despeito do frio que fazia naquela sala, o ar refrigerado no máximo.
            O consultório era simples, uma pequena iluminação se fazia presente, apenas para que não esbarrassem nos móveis escuros. A janela empoeirada dificultava ainda mais a passagem dos raios solares.
            — Boa tarde, doutor — falei, sentando-me na poltrona nada confortável de sempre. Caprichei na entonação.
            — Seu sarcasmo é tão peculiar, Gustavo. Será que nunca vai mudar?
            — Da mesma forma que seu consultório é escuro. Vamos, me fala, é para criar um ambiente, não é?
            — Se nunca aceitei suas provocações antes, porque aceitaria agora?
            — Mas o que eu falo é para o seu bem, doutor. E com certeza, se me ouvisse, melhoraria e muito os seus negócios. A propósito, quem é alérgico não aguenta muito tempo naquela recepção. Fede a mofo!
            — Você já disse isso antes, está ficando repetitivo.
            — Ah… E sobre a sua secretária…
            — Por favor, Gustavo, já lhe pedi da última vez, respeite a Olga.
            — Tsc, tsc… Aposto que você anda comendo ela.
            — Chega, Gustavo! Chega! — esbravejou o médico, perdendo o controle pela primeira vez. Respirou fundo e voltou a falar no mesmo tom anterior. — Acho que já perdemos muito tempo. Deveríamos começar logo.
            — É — suspirei, recostando-me na poltrona dura. Ele pegou uma pequena pasta, tirou um bloco e sentou-se diante de mim. — Vamos acabar logo com esse suplício.
            Havia dois meses que fazia análise, ou algo semelhante. Foram cinco sessões antes dessa, o cúmulo do suplício. Devo admitir que no início pensei que seria sossegado, tranquilo, que aquela imposição eu poderia tirar de letra. Doce ilusão! O desgraçado sabia como extrair informações, fazer com que eu revelasse os mais íntimos e sórdidos segredos. Mas acredito que, além de algumas pequenas perversões, ele nunca chegou ao âmago da questão, do porquê eu estar ali. Brancos, lapsos de memórias, além nada mais foi descoberto, mesmo nas sessões de hipnose. Contudo, toda a devassidão da minha vida, principalmente na infância, na relação com os meus pais, tudo ele descobriu. Não sei por que o escolhi, ou na verdade, escolheram-no como meu psiquiatra. Na minha singela opinião, seria o menos indicado. Enfim, cá estou, deitado no divã, trocando farpas com o doutor.
            — Então — começou ele. — Vamos retomar de onde havíamos parado? Quer me contar quando você começou a ter esses apagões, esses esquecimentos? Já conversamos sobre a sua vida, suas frustrações, sua falta de amigos, a falta de sucesso profissional. Acho que está na hora de buscarmos o porquê disso tudo ­­— O filho da puta sabia bem como colocar um pra baixo, sempre foi assim. Nada fazia além de balançar a cabeça. Eu relutava em aceitar aquele tratamento, pois eu achava que não havia resultado possível. — Então, Gustavo, me diga quais as suas primeiras lembranças, suas primeiras memórias.
            Ele notou minha tensão, levantou-se e fechou a cortina vermelha, deixando a penumbra avermelhada. Cor de sangue. Sentou-se em sua cadeira e me mandou relaxar mais e mais. Sua voz parecia feita de uma nota só, sem alterações, com pausas bem colocadas. Era quase um mantra. Proposital, pensei. E fui ficando cansado, era o cansado não de apenas um dia, talvez de uma vida. Seria aquele o momento então que eu deveria realmente contar a verdade, abrir meu coração, revelar toda a sujeira de minha alma? Mas onde tudo começou? Qual minha primeira memória?

Nova postagem: novos antigos poemas...

Olá, boa noite a todos...


Após um tempo sem novas postagens, não por meu querer, mas pelos inusitados obstáculos que essa nossa vida nos apresenta. Entre eles, muito trabalho (e quem disse que vida de professor universitário é fácil). Escrever, até mesmo ler, parece em alguns momentos um luxo. Felizmente, consegui terminar um conto que há mais de um mês estava pendente. Um conto, naqueles moldes que muitos, surpreedentemente, disseram que gostaram. E quem ainda não leu "Memórias Sujas", recomendo, como um preparo para este novo.

Mas, como uma espécie de preparação, pois o conto é muito forte, procurei nos meus antigos arquivos, e vi que tem alguns poemas que eu poderia postar aqui. Eu tive uma produção intensa na adolescência (hormônios juvenis em alta). Espero que gostem, pois logo em seguida postarei a primeira parte do conto.


 
Tudo que eu queria nesse momento
Era estar contigo, ao teu lado,
Principalmente, abraçado.
Talvez até beijando-te inteiramente
Não me contento mais com teu sorriso
Quero você, minha princesa
Quero essa sua mágica
Quero esse seu amor.
Queria dizer aos quatro ventos
Que és a minha namorada
Ah! com eu adoraria dizer isto.
Dá-me apenas o rosto,
Quero tua boca, teus lábios
Quero olhar sem medo no fundo
Dos teus olhos, e descobrir segredos...
Quero que me ames,
Queria que isso fosse possível.
Quero a coragem para dizer-te
Tudo isto.
Quero... quero sentir o teu corpo
Junto ao meu.
Quero encontrar a felicidade junto a ti.
Quero um dia poder sorrir.