segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Um conto e o encontro - parte 1




            Eram seis e meia da manhã quando o avião pousou em solo pernambucano. Fazia sol e um calor de trinta graus já naquele horário. Cerca de cinquenta pessoas desembarcaram, após algumas horas de voo. Deixaram a chuva de São Paulo para o sol escaldante da terra do frevo.
            Felipe desceu ainda com o rosto marcado por ter ficado bom tempo encostado na janela. Ainda estava com a perna ligeiramente dormente. Ficara fora por umas três semanas realizando um trabalho de pesquisa que resultou em uma publicação de cinco páginas em uma conceituada revista de renome nacional. Tinha alcançado o auge, até o momento, de sua carreira jornalística. Passara boa parte do ano em viagens e queria aproveitar o último mês do ano para merecidas férias e descanso. Já tinha vários projetos aprovados e engatilhados para o ano seguinte.
            Após pegar sua mala, dirigiu-se até o saguão, onde um amigo o esperava. Com poucas pessoas circulando no aeroporto às sete da manhã, em pleno domingo, não foi difícil avistá-lo. Rodrigo era um amigo de longa data. Professor de universidade, formado em letras, era uma espécie de amigo de infância que encontrou apenas aos vinte anos de idade. Deram-se as mãos e abraçaram trocando afáveis cumprimentos.
            - Mas rapaz! Quanto tempo!
            - Que nada… Faz o quê… uns dois anos? - riu Rodrigo, enquanto punha as poucas bagagens no seu carro.
            - Não, teve o São João do ano passado, lembra?
            - Puta que o pariu! - gargalhou. - Você ainda se lembra daquela merda? Fiz questão de apagar da memória completamente.
            - Mas eu não - continuou Felipe, puxando a porta do carro enquanto o outro dava a partida. - Fui eu e Ana que tivemos que ficar limpando a sujeirada que você fez. Ela não queria ver você pintado nem de ouro.
            - Eu avisei, não podia misturar bebida. Cerveja, vodca e cachaça… Queria o quê? Deu merda!
            E os dois continuaram gargalhando ainda um bom tempo, lembrando a reunião que Felipe oferecera em sua casa para alguns amigos dos tempos de faculdade. Rodrigo misturara tudo que era tipo de bebida e a festa terminou cedo para ele. Depois dessas lembranças, a conversa prosseguiu por assuntos mais sérios. Quando Felipe perguntou sobre o trabalho, as aulas, uma pergunta corriqueira, na qual ele esperava uma resposta banal, o amigo sorriu.
            - Bem, era exatamente aí que eu queria chegar… - e diante da expressão interrogativa do outro, ele prosseguiu. - Na verdade, eu gostaria de te pedir um grande favor. Sabe, daqueles favores de irmão, de amigo do peito…
            Felipe interrompeu na hora, soltando um suspiro, balançando negativamente a cabeça, ao mesmo tempo em que sorria.
            - Eu devia ter desconfiado. Você me manda um e-mail, depois de meses sem contato, depois se oferece para me apanhar no aeroporto… Eu imaginava que tinha algo por trás disso. Provavelmente um favor que eu não gostaria muito de fazer. Na verdade, um favor que eu não gostaria nada de fazer.
            - Ora! Não seja tão dramático. É coisa simples…
            Rodrigo principiou contando que este ano tinha sido muito proveitoso nas aulas, que tinha aprovado um projeto de pesquisa, tinha conseguido também aprovar um projeto de extensão. Depois de dez anos na carreira universitária, as coisas finalmente corriam como ele sempre queria. Mas ele se ateve ao projeto de extensão. Apesar de Felipe estar longe do ambiente acadêmico há bastante tempo, sabia o que se significava tudo que ele dizia. Ele detalhou seu projeto, que era simples, um conjunto de aulas, de minicursos na verdade.
            - Então, são minicursos em áreas diferentes do que eles estudam no curso normal. E em nível acessível a todos, inclusive, para outros cursos também.
            - E você quer que eu participe de um desses minicursos? Que eu dê um desses minicursos?
            - Exatamente! A proposta é justamente que os profissionais deem a sua visão, o seu modo de pensar, de escrever. Diferente de uma disciplina que eles encontrariam na faculdade. E para falar sobre redação jornalística, criação, não vejo ninguém melhor que você. Na verdade, não conheço. É um curso de uma semana apenas, duas horas cada dia. Não vai tomar muito seu tempo. Pense que é uma palestra prolongada, diluída ao longo de cinco dias. Moleza!
            - Eu nunca dei aula. Não tenho vocação, paciência, sei lá… Mas, por nossa amizade, vou aceitar. É a maior roubada que você já me meteu - olhou em volta, estava quase chegando. O carro parou diante do edifício onde morava. - Bem, e quando é que é que eu tenho que dar esse minicurso?
            - Hum… na verdade começa na próxima semana. E já tem trinta pessoas inscritas e confirmadas.
            - O quê?! - e bateu a porta do carro com relativa força. Olhou para dentro do carro, pela janela, e rindo, disparou: - Você é um tremendo de um filho da puta!