O céu
nublado prometia uma chuva daquelas. Nuvens cada vez mais cinzentas se
aninhavam, aumentando o que muitos estavam temendo: outro temporal. Em alguns
locais já se podia sentir pequenas gotas caindo, fazendo com que todos
corressem a abrir seus guarda-chuvas e sombrinhas. Não era comum chover naquela
época do ano, afinal o período das chuvas havia passado, e as tempestades de
verão ainda estavam longe. Era dezembro, quase véspera de Natal.
No seu
carro, o temporariamente professor de “criação jornalística” arrumava suas
coisas, não podia esquecer nada para não ter que voltar caso se esquecesse de
algo (e ele sempre esquecia!). Àquela altura a chuva já desabava sobre o teto
do carro fazendo um barulho contínuo e inebriante, quase um mantra, se fosse
possível fechar os olhos e apenas contemplar aquele som. Mas o tempo estava
curto e ele atrasado para uma reunião com alguns colegas. Era o seu primeiro
compromisso da tarde. Tinha agora duas atribuições, manter o foco nos seus
afazeres profissionais, depois ir para a aula, a última da semana. Olhou outra
vez sua pasta. Estava tudo ali – computador, agenda, canetas, celular. Dois
maços de trabalhos corrigidos e ainda outros trabalhos para ler e corrigir
estavam no banco de trás. Bem, parecia não faltar nada. Pensou que a vida de
jornalista não era fácil, mas a de professor era ainda mais complicada.
Mas quando ele saiu do carro, abriu o
guarda-chuva, deu dois passos, lembrou-se de uma revista que continha uma
reportagem que mostraria ao grupo. Após alguns xingamentos impronunciáveis,
apanhou o que precisava e se dirigiu até o local onde os colegas já estavam
reunidos.
Reuniões
normalmente são enfadonhas, cansativas, mas aquela, especialmente naquele dia,
que tanto ainda tinha por fazer, ganhava pela sua morosidade e não
produtividade. Havia uma grande conspiração contra ele, e a reunião prometida
para terminar cedo, durou a tarde inteira, praticamente. Após o término da
mesma, correu para a universidade. Durante o caminho, lembrou contente que
estava no derradeiro dia do seu compromisso com o amigo. Cansado, todavia
satisfeito. Não tinha vocação para o exercício, mas o ajudou a perceber a luta
diária do professor que enfrenta os mais diversos tipos de estudantes. Aqueles
que querem aprender, aqueles que fingem que querem, e os que não estão nem aí e
apenas reclamam. Isto sem falar nos diversos problemas extraclasse que tornam
ainda mais laboriosa a profissão. Dura é a vida do professor no Brasil.
A chuva continuava quando
estacionou o carro no estacionamento próximo ao prédio, repleto de vagas. Não
esquecera nada desta vez e correu, carregando consigo diversos papéis. Entrou
no gabinete cedido pelo professor Rodrigo, o amigo que o colocara naquela enrascada.
Viu que o ar condicionado ainda estava quebrado, e se não estivesse chovendo,
estaria derretendo, suando em bicas, como dizem por aí. Mas fazendo um balanço
dos cinco dias, não tinha do que reclamar. A turma que iniciara com quarenta
alunos no primeiro dia (mais do que o esperado), desde o segundo contava com
trinta, permanecendo assim até então. Havia estudantes de vários cursos, de
jornalismo havia uns cinco. Organizou o material. Era sexta-feira e queria
encerrar com um último trabalho, ideia de Rodrigo: um conto, crônica, qualquer
produção literária com características jornalísticas. Objetividade, concisão,
atenção nos detalhes minuciosos e reveladores. Eles tiveram a noite da quinta e
o dia da sexta para desenvolver a atividade. Fechou a porta e correu à sala de
aula.
A turma de
trinta alunos estava toda lá, não faltara ninguém. Sentia que todos queriam que
aquele curso terminasse. Mesmo gostando das aulas, como pareciam estar, era um
período de férias. Felipe arrumou seu material sobre a mesa e principiou com o
conteúdo que restava na programação dele. Na segunda metade, pediu que lhe
entregassem suas produções literárias. E foram as mais diversas: crônicas,
contos, até poesia havia, resenhas de artigos. Dentre todos, ele sabia que uns
cinco ou seis tinham grande potencial, e se fossem bem orientados, um belo
futuro literário (ou jornalístico). Ele selecionaria três trabalhos, como
previamente acordado, para serem lidos em voz alta. Quando recebeu todos,
folheou-os, e foi passando de um em um, quando, de repente, derramou suas
vistas naquele que havia uma observação escrita em tinta verde: “Por favor,
este é para o senhor! Não leia em voz alta!”. Não conhecia todos, gravara
alguns nomes, seus respectivos cursos, algo que era facilitado pela sua ótima
memória e também por ser um excelente fisionomista. Seus olhos, institivamente,
procuram a dona daquelas palavras, digitadas e manuscritas. Percorreu visualmente
o ambiente. Ela se encontrava no final da sala, com os olhos vidrados nele. Era
uma moça calada, um tanto reclusa. Lembrara-se dela, apresentou-se a ele como
aluna de Letras, de período intermediário, aluna de Rodrigo. Ela não sorria,
continuava séria, mas sabia que o professor tinha visto o seu recado, pois o
semblante dele mudara, a respiração sofrera uma alteração, e o olhar repentino
em sua direção o denunciara. Felipe pediu à turma mais dez minutos para folhear
melhor todo o material. Leu a história dirigida a ele. Era um conto diferente,
muito bem escrito, com forte teor erótico. Um observador mais atento o veria
corar. Talvez, alguém realmente muito atento, teria observado a sua excitação
crescendo a cada linha que avançava no texto. Um rápido resumo da história: uma
aluna e seu professor, que se entregavam em uma aventura de paixão e sexo,
quebrando paradigmas, preconceitos, vivenciando um êxtase pleno na obscuridade
de suas vidas. Tudo em segredo, pois ela sabia que ele era comprometido. Mas
não se importava, visto que o prazer de ambos era superior e o que de fato
importava. A história, muito bem escrita e construída, direta, objetiva, sem
rodeios, sem floreios, exalava paixão. Discretamente, ele colocou aquela folha
de papel em sua pasta. E voltou a conduzir a aula. Chamou três estudantes para
falarem sobre os seus trabalhos, a experiência adquirida, não havia tempo para
leituras. Contudo, seus olhos não paravam de encontrar os daquela menina, que assinara
o conto como Rosa, por ser bela e perfumada com a flor. Sabia que aquele não
era seu nome real, apenas um pseudônimo, e Felipe entendia a necessidade dela
pela confidencialidade, mesmo sabendo sua verdadeira identidade. Ele pode
pescar, em algum momento, lampejos de seus sorrisos, além seus olhares.
A aula
terminou quinze minutos antes do combinado, e como era uma sexta-feira, todos ansiavam
por ir embora mais cedo, aproveitando a estiagem da chuva. A menina saíra antes
do resto turma, e ele nem tivera a chance de um último olhar. Riu consigo
mesmo: “não passara de uma brincadeira”, pensou. Arrumou suas coisas, enquanto
a sala se esvaziava rapidamente. De repente, uma voz tímida e suave se fez
viva: “O senhor gostou da minha história?” Ele se virou e ela estava lá. Era linda!
Tinha os cabelos negros, a pele alva e umas poucas sardas no rosto. Falara
pouquíssimas vezes com ele durante a semana, a apresentação inicial, um “até
logo”, um “boa noite”, ficando sempre no fundo da sala, sem conversar com
ninguém. Nunca estivera tão próxima a ele como naquele momento. O coração de
Felipe disparara. Conseguia sentir sua respiração, seu hálito adocicado. Ela
ainda tinha na boca uma pastilha, que passeava de um lado para o outro, num
movimento lento, provocando-o. Ele mesmo, sem perceber, estava ofegante, um
nervosismo crescente, uma excitação crescente. A novidade, o inusitado
surpreendia-o. De forma incontrolável, veio à mente toda a história contada por
ela, imagens foram-se formando em questão de segundos. Devia ter pelo menos
vinte anos a menos que ele, com a beleza típica de uma garota de dezenove,
vinte anos.
- Não gostou do meu conto? -
tornou a perguntar.
- Sim… quer dizer… está
muito bom! -
e as palavras saíam de sua boca em staccato. -
Você… escreve muito bem …
- O senhor pode me chamar
de Rosa. Apenas Rosa.
Suas pernas
agora tremiam também. O que dizer? Nunca estivera naquela situação. Tentou ser
o mais complacente possível.
- Só se você parar de me
chamar de “senhor”… -
disse, por fim, quase arrependido no segundo seguinte.
- Mas é por respeito. O
senhor é meu professor.
- Na
verdade não mais… -
e sorriu sem jeito. -
Tudo não passou de uma invencionice do seu verdadeiro professor, Rodrigo.
- Vou
confessar então um segredinho… - e fez uma longa pausa. - O senhor é mais
simpático, e bonito também.
Felipe riu
daquele comentário. E os dois ficaram trocando elogios ainda por algumas
frases, até que ela voltou a falar da história. Insistiu em perguntar o que ele
achou, se tinha gostado. O jornalista ficou meio sem jeito quando ela perguntou
se ele havia ficado excitado com a cena do sexo que ela descrevera.
- O que você acha? - Ele respondeu
após quase um minuto procurando as palavras certas.
Rosa sorriu timidamente, baixando os
olhos, mordendo o lábio inferior, depois deslizando suavemente a língua sobre
os lábios vermelhos. Naquele momento, Felipe, no auge dos seus quarenta anos,
com a experiência de mais de uma década convivendo com as mais singulares
situações, não se conteve e a tomou nos braços, beijou aquela menina de 20
anos. Nunca fizera nada semelhante, nunca extrapolara os limites do bom senso,
da ética. Porém aquele desejo foi mais forte, muito mais forte. Lembrara todas
as vezes que trocaram olhares durante as aulas, desde o primeiro dia, o
primeiro dia que começara a chover naquele mês de dezembro, após semanas de um
calor extenuante. E o beijo foi longo, úmido, quente, ardente. Sem se dar
conta, aninhava-a em seus braços; os corpos de ambos colados, como se um só
fossem. Beijavam-se ardorosamente, como se quisessem devorar-se.
- Aqui é muito arriscado -
disse ele. -
Pode aparecer alguém… Não sei se você quer…
- Eu quero! -
disse a menina com voz firme, decidida. - Vamos para sua sala…
Por uns instantes, refletiu, mas com
a excitação cegando os seus pensamentos, deixou na penumbra a razão, a lucidez.
Combinou de encontrá-la em seu gabinete em meia hora, o gabinete do amigo que o
pusera naquele imbróglio. Pensou nas consequências daquele ato enquanto se
dirigia a passadas largas. Mas também pensou que situações como aquela, que se
apresentam daquela forma, não são corriqueiras. Seria uma aventura, uma
arriscada aventura, nada mais. Pelo visto, a razão e a prudência continuavam em
total escuridão.
Havia poucas pessoas ainda nos
corredores, já era noite e ninguém dava atenção ao professor que seguira e à sua
aluna que fez o mesmo trajeto pouco tempo depois. A chuva cessara. Ninguém a
viu bater na porta da sala, muito menos quando ela entrou e o trinco se fechou.
Agora estavam somente os dois, sem ninguém a interferir. Apenas o mundo lá
fora, seus compromissos e obrigações, deveres e regras, que naquele momento,
ambos deixaram do lado de fora, no exterior.
- Eu quero ser sua! Toda
sua! -
balbuciou ela, os lábios trêmulos, um leve fraquejar na voz.
- Mas você sabe que sou… - e
ela cerrou seus lábios com a mão, silenciando-o. Beijou-o e sussurrou em seu
ouvido:
- Hoje eu quero ser sua!
Basta-me isto!
O perfume o inebriava. Sua excitação
aflorava pelas suas calças. Enquanto o beijava, ela começou a acariciá-lo com
delicadeza, provocando-lhe curtos gemidos de prazer. Os beijos tornaram-se mais
intensos, ele beijava sua nuca, sua orelha, deslizava a língua sobre sua pele
alva, enquanto ela lhe retribuía com carícias ainda mais intensas. Ele então
acariciou sua barriga, deslizando todos os dedos, elevando sua blusa à altura
dos seus seios, acariciava-os. Baixou-se um pouco e beijou sua barriga,
deslizando sua língua da altura do umbigo até os seios. Beijou-o com vigor e
carinho, suavidade e determinação, quando ela baixou seu sutiã, revelando o
seio branquinho e rosado. Uma pétala de flor!
Após bons minutos de carícias, eles
se amaram ardentemente. Ele sentiu uma profusão de sensações que há muito não
sentia. Sentira-se adolescente outra vez. Sentia-se vivo outra vez. Fizeram
amor sobre o chão frio, as gotas de chuva martelando a vidraça da janela. Não
havia nada a ser dito, os olhos expressavam todos os sentimentos. Um arroubo de
prazer enlouquecedor fez-se materializar naquele simplório gabinete. Foi quando
o jornalista, outrora professor, percebeu que a chuva continuava forte. Quase
um dilúvio a varrer os pecados dos homens. E pensou que a estiagem se deu
apenas para aquele encontro.
Quando já estavam recompostos, ela
sussurrou-lhe no ouvido:
- Foi a noite mais
maravilhosa da minha vida! Obrigada!
O que ele diria? Seu coração
palpitava forte, sabia dos riscos, dos perigos daquele encontro, daquela
relação. Ela pareceu entender.
- Não se preocupe! Eu lhe
disse antes: não se preocupe! Não vou, nem quero prejudicar ninguém. Quero
apenas esse momento de prazer, essa felicidade que me toma todo o corpo. Quero,
se possível e até quando for possível, sempre ser sua…
- Você é linda! - suspirou,
ainda atordoado com todo o acontecimento. - Serei também sempre seu,
sempre e até quando você quiser! - disse ele no arroubo do momento. Não obstante, ambos
sabiam que não seria assim.
Ela disse que precisava ir. Estava
tarde. Mas antes, antes mesmo do beijo de despedida, murmurou:
- Já estou ansiosa pelo
próximo encontro. Farei e lhe darei outro conto. Um conto e um encontro.
E beijou suavemente, piscando
levemente o olho direito, antes que ele pudesse dizer que não seria mais seu
professor. Que, se não tivesse sido por um favor a um amigo, aquele encontro
nunca teria existido. Ela sabia disso, não era preciso dizer nada. Palavras, em
muitos casos, são completamente desnecessárias.
Felipe ainda ficou por alguns minutos
contemplando pela janela a chuva que caía forte e insistentemente.