domingo, 26 de setembro de 2010

Meu primeiro conto...

Este foi um dos primeiros contos que escrevi.

O dia em que eu quase...


Não consigo lembrar qual dia é hoje. Essa luz que me ofusca, acho que é o sol que me cega os olhos cegos pela dor e arrependimento. Vejo o mar à minha frente, revolto. Minha fisionomia é das piores, senão a pior dos seres. As mãos ainda tremem, as pernas vacilam, a mente está inerte e o coração queria estar parado, mas só as lágrimas (que deveriam estar secas) não param de cair. Recostei-me num banco e fiquei olhando o mar, respirando o aroma salgado e penetrante e escutando o sonoro ruído das ondas que se batiam com os bancos de areia. Eram seis horas da manhã.

Às seis horas da noite bati na porta de Odete. A mãe dela abriu:
“Boa noite, dona Ivone! Odete está?”
Ela, que não podia falar por causa de uma cirurgia nas cordas vocais, balançou negativamente a cabeça. Escreveu-me num papel: foi à casa de Inácio. Perguntei ainda se fazia tempo e ela deu de ombros. Fechou a porta e eu fiquei sem saber o que pensar.
A partir daí, meu ciúme borbulhou e me cegou. Era o clássico: minha namorada com meu melhor amigo. Não, por mais inseguro que eu fosse, seria incabível. Odete era uma virtude, quase uma beata. Virgem, daquelas autenticamente puras, que dispensavam exame. E Inácio eu conhecia desde o ginásio. E era noivo. Mas que diabos estaria ela fazendo na casa dele? Por que não me esperou chegar da viagem? Tomei  o primeiro ônibus e meia hora depois estava defronte ao prédio onde ele morava. Confesso que já houvera situações que imaginei os dois na cama. Enfurecia-me com este desatino. Dizia a mim mesmo que mataria os dois e me mataria depois. Era loucura! E já cheguei a dizer isso a Odete, que ria de mim, e acabávamos rindo juntos.
Subi e cheguei logo ao décimo andar. Eu estava sempre ali, tanto que eu tinha uma chave do apartamento, como Inácio tinha do meu. Éramos como irmãos. Abri a porta. Estava tudo um breu, um silêncio, como se não houvesse ninguém em casa. De repente meu coração bateu forte: ouvi risos, sussurros. Havia uma luz bem fraca no final do corredor, no quarto de Inácio. Pela fresta da porta vi os dois, nus, trepando como animais. As lágrimas desceram vertiginosas e minhas pernas bambearam. Sentei-me no chão e por quase uma hora vi, mortificado, as peripécias sexuais da minha namorada (quase noiva) e do meu melhor amigo (quase irmão).
Peguei uma faca na cozinha e invadi o quarto, sob o olhar perplexo dos dois. Era a primeira vez que via Odete nua, e seria a última. Avancei sobre os dois, a faca lá no alto, querendo descer e furar a carne deles. Fora, senão trágico, cômico: os dois choravam, gritavam meu nome: “Dionísio, Dionísio”. Minha cólera culminou, o sangue fervia nas minhas veias. Olhei nos olhos castanhos de Odete, vi seu medo, vi o meu medo. Desabei em choro, sob o olhar um tanto frustrado daqueles que esperavam mais de mim. Caí diante de minha covardia, num choro compulsivo. Saí dali.

E agora estou aqui, com o sol cegando-me, revelando minha pusilanimidade. E lembro-me, como castigo, do dia em que eu quase matei.

Um comentário:

Anônimo disse...

Adorei o texto... um tanto qto bizarro... mas bom de ler!!
Abraço!