domingo, 15 de maio de 2011

POLÊMICA OU IGNORÂNCIA? DISCUSSÃO SOBRE LIVRO DIDÁTICO SÓ REVELA IGNORÂNCIA DA GRANDE IMPRENSA

A pedido de uma amiga, segue um texto bem interessante...

POLÊMICA OU IGNORÂNCIA? DISCUSSÃO SOBRE LIVRO DIDÁTICO SÓ REVELA IGNORÂNCIA DA GRANDE IMPRENSA
por Gláucia Nascimento, sábado, 14 de maio de 2011 às 19:06
Atendendo a um pedido meu, o colega Marcos Bagno escreveu o texto que divulgo aqui.

POLÊMICA OU IGNORÂNCIA?
DISCUSSÃO SOBRE LIVRO DIDÁTICO SÓ REVELA IGNORÂNCIA DA GRANDE IMPRENSA
Marcos Bagno
Universidade de Brasília
Para surpresa de ninguém, a coisa se repetiu. A grande imprensa brasileira mais uma vez exibiu sua ampla e larga ignorância a respeito do que se faz hoje no mundo acadêmico e no universo da educação no campo do ensino de língua. Jornalistas desinformados abrem um livro didático, leem metade de meia página e saem falando coisas que depõem sempre muito mais contra eles mesmos do que eles mesmos pensam (se é que pensam nisso, prepotentemente convencidos que são, quase todos, de que detêm o absoluto poder da informação).
Polêmica? Por que polêmica, meus senhores e minhas senhoras? Já faz mais de quinze anos que os livros didáticos de língua portuguesa disponíveis no mercado e avaliados e aprovados pelo Ministério da Educação abordam o tema da variação linguística e do seu tratamento em sala de aula. Não é coisa de petista, fiquem tranquilas senhoras comentaristas políticas da televisão brasileira e seus colegas explanadores do óbvio.
Já no governo FHC, sob a gestão do ministro Paulo Renato, os livros didáticos de português avaliados pelo MEC começavam a abordar os fenômenos da variação linguística, o caráter inevitavelmente heterogêneo de qualquer língua viva falada no mundo, a mudança irreprimível que transformou, tem transformado, transforma e transformará qualquer idioma usado por uma comunidade humana. Somente com uma abordagem assim as alunas e os alunos provenientes das chamadas “classes populares” poderão se reconhecer no material didático e não se sentir alvo de zombaria e preconceito. E, é claro, com a chegada ao magistério de docentes provenientes cada vez mais dessas mesmas “classes populares”, esses mesmos profissionais entenderão que seu modo de falar, e o de seus aprendizes, não é feio, nem errado, nem tosco, é apenas uma língua diferente daquela — devidamente fossilizada e conservada em formol — que a tradição normativa tenta preservar a ferro e fogo, principalmente nos últimos tempos, com a chegada aos novos meios de comunicação de pseudoespecialistas que, amparados em tecnologias inovadoras, tentam vender um peixe gramatiqueiro para lá de podre.
Enquanto não se reconhecer a especificidade do português brasileiro dentro do conjunto de línguas derivadas do português quinhentista transplantados para as colônias, enquanto não se reconhecer que o português brasileiro é uma língua em si, com gramática própria, diferente da do português europeu, teremos de conviver com essas situações no mínimo patéticas.
A principal característica dos discursos marcadamente ideologizados (sejam eles da direita ou da esquerda) é a impossibilidade de ver as coisas em perspectiva contínua, em redes complexas de elementos que se cruzam e entrecruzam, em ciclos constantes. Nesses discursos só existe o preto e o branco, o masculino e o feminino, o mocinho e o bandido, o certo e o errado e por aí vai.
Darwin nunca disse em nenhum lugar de seus escritos que “o homem vem do macaco”. Ele disse, sim, que humanos e demais primatas deviam ter se originado de um ancestral comum. Mas essa visão mais sofisticada não interessava ao fundamentalismo religioso que precisava de um lema distorcido como “o homem vem do macaco” para empreender sua campanha obscurantista, que permanece em voga até hoje (inclusive no discurso da candidata azul disfarçada de verde à presidência da República no ano passado).
Da mesma forma, nenhum linguista sério, brasileiro ou estrangeiro, jamais disse ou escreveu que os estudantes usuários de variedades linguísticas mais distantes das normas urbanas de prestígio deveriam permanecer ali, fechados em sua comunidade, em sua cultura e em sua língua. O que esses profissionais vêm tentando fazer as pessoas entenderem é que defender uma coisa não significa automaticamente combater a outra. Defender o respeito à variedade linguística dos estudantes não significa que não cabe à escola introduzi-los ao mundo da cultura letrada e aos discursos que ela aciona. Cabe à escola ensinar aos alunos o que eles não sabem! Parece óbvio, mas é preciso
repetir isso a todo momento.
Não é preciso ensinar nenhum brasileiro a dizer “isso é para mim tomar?”, porque essa regra gramatical (sim, caros leigos, é uma regra gramatical) já faz parte da língua materna de 99% dos nossos compatriotas. O que é preciso ensinar é a forma “isso é para eu tomar?”, porque ela não faz parte da gramática da maioria dos falantes de português brasileiro, mas por ainda servir de arame farpado entre os que falam “certo” e os que falam “errado”, é dever da escola apresentar essa outra regra aos alunos, de modo que eles — se julgarem pertinente, adequado e necessário — possam vir a usá-la TAMBÉM. O problema da ideologia purista é esse também. Seus defensores não conseguem admitir que tanto faz dizer assisti o filme quanto assiti ao filme, que a palavra óculos pode ser usada tanto no singular (o óculos, como dizem 101% dos brasileiros) quanto no plural (os óculos, como dizem dois ou três gatos pingados). O mais divertido (para mim, pelo menos, talvez por um pouco de masoquismo) é ver os mesmos defensores da suposta “língua certa”, no exato momento em que a defendem, empregar regras linguísticas que a tradição normativa que eles acham que defendem rejeitaria imediatamente. Pois ontem, vendo o Jornal das Dez, da GloboNews, ouvi da boca do sr. Carlos Monforte essa deliciosa pergunta: “Como é que fica então as concordâncias?”. Ora, sr. Monforte, eu lhe devolvo a pergunta: “E as concordâncias, como é que ficam então?

Um comentário:

Anônimo disse...

O PLATÃO DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS ENTREVISTA DOCENTE CORRETOR DE REDAÇÃO


O senhor trabalha em universidade pública e participa corrigindo redações. O quê o senhor acha de ensinar errado?
- Veja bem. Nós só temos algo próximo de 5 mil vagas e precisamos, para haver alguma lucratividade, de uns 50 mil candidatos. Se todos tivessem um conhecimento médio em linguagem seria impossível corrigir tantas provas, exigindo uma quantidade imensa de pessoas quando queremos até que os ganhos disto sejam apenas para uma meia dúzia. E mesmo que o sistema pague um extra fabuloso, enquanto de cada 100 redações mais de 90% zerando logo na primeira frase, fica tudo maravilhoso.

Como o senhor também trabalha formando docente, você induz que esses ensinem tal qual indica a professora no seu livro?
- Com certeza!!! Até, como já mostrei, para que fique mais fácil ganharmos um extra sem muito esforço. Além disto, o que temos na rede pública são aluno sem a mínima condições de aprender nada e a única coisa a se fazer é ensinar o que esses já sabem.

Mas, como o senhor tem tanta certeza de que os seus alunos não serão também docente da rede privada?
- Quem quer isso vai estudando por fora e não espera, até porque já sabe que não terá. Além do mais, na rede privada tem quem exija e fique vigiando tudo que ele faz na sala de aula. Já na pública, é só fechar a porta e fazer o quiser e como quiser, sem que deva qualquer satisfação a seu ninguém. Bastando, obviamente, que tenha certas amizades e não se meta, fora elogiar, no que os demais estão fazendo.


O senhor não acha tudo isso uma perversidade contra o povo?
- Absolutamente não!! Isso sempre se fez e em todas as disciplinas e ninguém nunca disse nada. De fato, os que foram nomeados no tempo da ditadura, a qual expulsou e perseguiu docente indesejável, gente que até fugiu deixando os alunos sem aula, salvo raras, exceções o general escolheu para nomear sem concurso exatamente quem fosse capaz de promover tais coisas, já que queria evitar que, se rede pública fosse mediamente letrada, a guerra para ingressar na universidade publica, os excedentes, seria terrível. Posto que, pobre é bicho metido e o fato de não haver alojamento, comida, livro e haver campus de universidade pública que só para se deslocar entre blocos de aulas precisa ter carro, por isso a ditadura fez onde foi possível cidades universitárias, mesmo assim, nem todo deixa de persistir fazer curso em universidade pública.

E perguntamos, na condição de anonimato, para projetor do Enem o porquê de ter sido tão fácil corrigir milhões de redação em menos de dois meses.
- Simples, meu caro!!! Mais de 90% desses zeram na primeira frase com coisas como neça frasi... E lembro que se não fosse assim o custo para que as empresas tenham lucro por participar do Enem seria astronômico.