sábado, 11 de dezembro de 2010

A mulher dos meus sonhos - parte 2

Segue a continuação do conto...



A mulher dos meus sonhos


(...)


            Era uma manhã de sexta-feira do mês de dezembro. Fazia muito calor naquele dia quando tomei o ônibus para Maceió. Há pouco escrevera minha primeira reportagem, estava feliz como poucos. Durante todo o caminho eu pensava na minha sorte, na guinada que minha vida dera em pouco mais de um ano. Ainda lembro procurando emprego de jornal em jornal, recém-formado, numa época dramática para a imprensa. Mesmo assim eu precisava de um sustento, de um alento.
            Não havia ninguém ao meu lado, talvez não se contasse quinze pessoas em todo o ônibus. A paisagem era gratificante, o vento forte que entrava pela janela abrandava o calor causticante e ajudava a refrescar os pensamentos, organizar as ideias para os próximos dias.
            Lembro-me de ter cochilado por alguns minutos, bem na divisa entre Pernambuco e Alagoas, sonhara com algo que não me lembrava. Num certo momento, abri a minha pasta e retirei um pequeno caderno de brochura. Havia já muita coisa escrita e estava bem gasto. Era nele que eu desenhava as minhas primeiras histórias, garranchos que depois na máquina de escrever adquiriam forma. Eu tinha uma ambição ainda maior que a de ser um grande jornalista, era ser um escritor de fama e reputação. O sonho era ver alguém lendo obras minhas, e principalmente, debatendo, criticando. Eu começava um novo conto, havia escrito as primeiras linhas, mas me faltava a história. Segurei a caneta nas pontas dos dedos e me recostei na poltrona, pensativo. Queria uma história de amor, uma que fosse rápida, que durasse poucas páginas, mas que fosse tão intensa quanto um texto de Clarice (Lispector). Não obstante, por maior esforço que eu fizesse, por mais que pensasse, não brotava uma ideia sequer. Sorrindo e eu pensei: “preciso viver uma grande história de amor… grande mesmo, arrebatadora…”, mas no mesmo instante, sorri o sorriso incrédulo, até mesmo debochado. É impossível, conclui. Adormeci novamente e fui acordado pelo cobrador, já no terminal rodoviário. Fiquei deveras constrangido, minha pele alva denunciava facilmente meu embaraço. Guardei o caderninho na pasta e tomei minha bagagem, que era pouca, apenas para o final de semana.
            Cheguei ao hotel minutos depois, de táxi. A cidade era pequena, porém aconchegante, conservando uma beleza e inocência que eu sentia falta no Recife. O hotel ficava em Ponta Verde, bairro nobre de Maceió, defronte à praia. Olhei apenas de relance o que tinha em minha volta. Depois andaria pelas redondezas para conhecer melhor o lugar, porém devo confessar que senti uma vontade louca de me jogar no mar. E o fiz, depois de ter-me acomodado em meu quarto, avisado à família que estava instalado e feito os contatos profissionais mais urgentes, afinal eu estava ali a trabalho.
            A água era uma delícia e o sol escaldante me fez não querer mais sair de dentro daquela água tão doce, apesar de salgada. Ah, que vida deliciosa! Mas não me demorei muito, tinha um encontro à tarde com o redator do jornal local.
            Estava saindo do mar, quando vi algo que me perturbou. Ela passou por mim como se eu não existisse, como seu eu fosse apenas o vento, quase me derrubando. Seu olhar me pareceu frio, apesar do calor e do sol intenso. Seguiu até o mar, onde mergulhou, surgindo metros adiante. Fiquei paralisado, no meio do nada, como se estivesse no deserto e olhasse um oásis, tentando imaginar se seria real ou mera ilusão. E assim, parado, fiquei por alguns minutos, olhando aquela mulher. Admito minha indecisão sobre se fiquei mais chateado com sua rudeza ou encantado com a beleza dela. Baixei a cabeça e retornei ao hotel, sem uma conclusão acerca dos sentimentos.
            O meu encontro com o editor chefe do jornal fora tranquilo e bastante proveitoso. Ele já havia lido algumas matérias minhas e me confessara que meu futuro no jornalismo era promissor. Conversamos por longas duas horas, à beira da piscina de sua casa, há poucos quilômetros do hotel onde eu estava hospedado. Comentara que o encontro do dia seguinte (motivo pelo qual eu havia me abalado de Recife até ali) não acrescentaria muito à minha carreira, a não ser como experiência. Tive de concordar, visto que eu mesmo relutei bastante antes de aceitar a incumbência de representar meu jornal.
            À noite eu saí para conhecer um pouco do litoral, da orla marítima. Caminhei muitos metros, muitos minutos. A noite surgia iluminada pelo festival de estrelas luzentes e uma incrível lua cheia, a lua dos amantes. Pensei instintivamente em minha história. Hoje seria o dia ideal para se começar uma bela e inesquecível história de amor. Sorri silencioso e escondido enquanto vagava morosamente no meu retorno para o local de onde eu partira. Havia um quiosque defronte ao hotel e pedi uma água de coco. Sentei-me no banco mais afastado, distante da luminosidade do poste e sonhei acordado enquanto sorvia aquele néctar e via o movimento das pessoas. Fiz uma longa reflexão da minha vida, dos principais acontecimentos. De repente, juntamente com uma deliciosa lufada de vento, surge aquela mulher, a mesma mulher, alta, de corpo esguio, de cabelos tão longos quanto a sua beleza. Estava pedindo algo no quiosque, uma água de coco decerto. Ficara ali parada, conversando com a atendente, mas à minha disposição, para que eu a contemplasse em toda a sua plenitude. Ela continuava séria, tão séria quanto a lua, serena, e tão radiante quanto o sol, iluminada. Em breves momentos, lampejos de um sorriso abrasador, por isso mesmo, apenas lampejos. Usava uma blusa azul justa, delineando seu corpo bronzeado, deixando de fora um pouco de sua barriga. Trajava ainda uma longa saia pinçada, que alcançava os calcanhares, de um tecido tão leve como a seda, que se deixava esvoaçar pelo vento. Os cabelos negros, escorridos como as águas do mar, reluziam toda a sua bela negritude, esvoaçando com a brisa marítima. Era encantadora! Olhou-me, não para mim na verdade, olhava além de mim, talvez o infinito. Tinha o rosto miúdo, bem contornado, e lindos olhos castanhos, o nariz pequeno e afilado, a boca desenhada a mão. Era linda! Vi-a mais cedo, e naquele momento lembrei-me dela usando um biquíni preto com detalhes multicoloridos, e seu corpo era perfeito. Ela era perfeita!
            Meu coração disparara e senti meu corpo gelar quando veio em minha direção. Não olhava para os lados e não me veria mesmo que me atirasse sobre ela. Passou por mim e seguiu adiante. Meus olhos enxergaram rapidamente o chão e uma montanha de gelo despencou sobre minha alma dilacerada. Era-me proibido olhá-la, olhei-a; era-me proibido enamorar-me dela, enamorei-me; era-me proibido desejá-la, desejei-a. Ela nem sabia que eu existia, e mesmo que soubesse, fingiria que não. Tão altiva, tão dona de si, não seria nunca eu um homem para ela; e mesmo assim, se me pedisse a lua, entrega-la-ia; se me pedisse ao sol, ele nunca mais tornaria a brilhar, a não ser para ela. E logo tomei consciência de quem eu era, do que eu era, levantei-me e atirei o coco vazio na lixeira e segui para o meu quarto de hotel, com minha cabeça repleta dela. Os pensamentos naquela mulher nobre, de rosto tão incrivelmente belo.
            No refúgio de meu quarto, no abrigo do meu travesseiro chorei pela impossibilidade do meu amor. Odiei o destino e a vida por me fazerem apaixonado por uma miragem, por um sonho. Estava cansado e adormeci, na esperança de que pelo menos em sonho ela pudesse ser minha, e pudesse me amar tanto quanto eu já a amava.

Um comentário:

Danila disse...

RicaRRRdo,
estou ansiosa para ver o final!!!
Beijos!