sábado, 18 de dezembro de 2010

A mulher dos meus sonhos - parte 3

Após um tempo de ausência, em virtude do excesso de trabalho de final de semestre, segue a continuação do conto... espero que gostem!


A mulher dos meus sonhos


(...)



            O despertador me acordou cedo naquela manhã de sábado. O sol já ia alto, fumegante. Pela janela pude contemplar a praia, o mar, que se estendia primeiramente esbranquiçado, depois ia clareando, de verde ao azul mais profundo, mais distante também. A areia estava pontilhada em toda a sua extensão de pessoas que tomavam o sol da liberdade, havia também um colorido maravilhoso dos guarda-sóis ao longo da faixa de areia branca que se estendia a perder de vista.
            Tomara café rapidamente, pois com o adiantado da hora já me vi chegando atrasado ao compromisso para o qual fui designado.
            O encontro de jornalistas do Nordeste, patrocinado pela Associação de Jornalistas do Nordeste, teve duração de longas quatro horas. Confesso que fiquei decepcionado, realmente não era tudo o quanto me haviam dito no jornal. Um encontro cansativo: repleto de palestras e mesas redondas corridas, sem muito a acrescentar.
            Quando cheguei ao hotel já passava das duas horas. Minha intenção era tomar um banho e descer para almoçar em algum restaurante das redondezas, contudo o meu cansaço vencera-me sem tréguas. Após o banho, caí refestelado sobre a cama e adormeci.

            Acordei tarde, pela janela vi o dia escurecendo. Um vento frio soprava da janela entreaberta do quarto. As cortinas balançavam; por um momento consegui escutar o chacoalhar das folhas dos coqueirais. Levantei-me, minha fome fora vencida pelo cansaço, mas voltava a toda. Desci e fui à procura de um bom lugar para jantar. Na saída, vi, no mesmo quiosque, a mulher do dia anterior. Era a mulher dos meus sonhos, pensei. Conversava animadamente com a atendente, pareciam íntimas. Talvez morasse nas redondezas. Ignorando os apelos da minha consciência, dirigi-me ao quiosque. Fiquei ao lado dela, era alta, esguia, imponente. Estava diferente, sorria um sorriso como poucas vezes na vida pude contemplar. Natural e encantador, completamente diferente da primeira impressão que tive. Pedi um coco bem gelado, tomei-o ali mesmo. Precisava falar com ela, meu coração pedia. Mas como? Como abordá-la de modo despretensioso? Olhava-a com o canto dos olhos. Continuava a ignorar-me. Perguntei ao rapaz que me atendera onde havia um bom restaurante por perto. Realmente minha pergunta fora quase uma desistência da moça, pois naquele momento eu não tinha como lhe perguntar nada, eu nunca sabia como abordar uma garota, nunca soube em toda a minha curta vida. Retirei-me dali desistindo dela, na direção que me fora indicado.
            — Com licença… — senti um leve toque em meu ombro. Ao me virar, para ver quem era, quase caí ao vê-la diante de mim, enxergando-me pela primeira vez. Antes de qualquer reação minha, ela emendou. — Eu ouvi você, lá no quiosque… Você não é daqui, certo?
            — Não… — disse, com a voz quase sumindo.
            — É pernambucano?
            — Sim… Mas, como sabe?
            — Pelo sotaque! Também sou de lá, estou aqui há uma semana.
            — Morando aqui?
            — Não, passando as férias — completou, repetindo o sorriso de minutos atrás.
            Quase não pude acreditar no que estava acontecendo. Algum tempo depois, conversávamos animadamente, sob um belo céu estrelado. O vento soprava suavemente em nossos rostos.
            — É bom encontrar alguém conhecido. É a primeira vez que venho aqui e estou completamente perdido. Sou jornalista e vim a trabalho para cá… A propósito, você já jantou?
            — Eu? Não…
            — Aceitaria jantar comigo?
            Ela me pareceu um pouco relutante. Talvez eu tivesse me apressado demais, afinal, nem sabia o seu nome ainda.
            — Bem, acho que não há nenhum mal.
            — Olha, se você já tiver algum compromisso, eu irei entender.
            Ela sorriu. Seu sorriso era lindo, não me cansarei nunca de dizer. Seus olhos amendoados também. Sua voz era suave, terna, sempre pausada, sempre comedida. Cada palavra era dita com uma graça que eu nunca saberia explica ou sequer traduzir. Sorria sempre baixo, sempre mostrando o que tinha de melhor.
            — Não, não tenho. Eu adoraria jantar com você.
            — Então vamos!
            — Mas eu não estou arrumada…
            — Ora, você está linda! — disse, no susto, sem planejamento.
            Ela ruborizou-se. Tornamos a caminhar pelo calçadão.
            — Ainda não sei o seu nome — comentei.
            — Ah, é verdade. Eu me chamo Ana. E você?
            — Você tem um lindo nome, lindo mesmo. O meu é Gustavo.
            — Também é bonito. Mas você é gentil ao dizer que meu nome é bonito.
            — Não sou gentil, só estou sendo honesto.
Ela ficou mais uma vez ruborizada. Caminhamos em silêncio até o restaurante, que ficava a duas quadras de onde estávamos.
            Pedimos um peixe e vinho para acompanhar. Trocávamos longos olhares silenciosos enquanto degustávamos o excelente prato que nos foi servido. Depois de algum tempo retomamos nossa conversa.
            — O que você faz, Ana?
            — Sou professora.
            — Professora de quê?
            — De química.
            — Ser professor deve ser desgastante, não é mesmo? Principalmente de uma disciplina como química. Está certo que não é o meu forte, mas sempre gostei dela.
            — Difícil é, mas sempre existe o modo certo de ensinar.
            Tomei o cálice e o ergui:
            — Em sua homenagem, professora…
            Ela sorriu e ficou em silêncio. Conversamos ainda bastante durante o jantar. Conheci muito dela e descobri diversas afinidades em comum, principalmente musicais. Ela se portava com uma elegância que poucas vezes vi em outra mulher. Era discreta e seu olhar era magnífico e penetrante. A toda hora ela sorria, por quase qualquer coisa, mas era um sorriso sincero, o que a tornava ainda mais encantadora. Aos poucos fomos os dois nos soltando, falando de nossas vidas. Descobri que ela tinha 22 anos e que não morava mais com os pais.
            — Mora sozinha?
            — Não…
            Meu coração gelou naquele momento, talvez fosse casada, morando com alguém. Não sabia se insistia mais na conversa, ou se mudaria o rumo da nossa prosa. Mas antes que eu pudesse reagir de alguma forma, ela emendou:
            — Tenho uma filha.
            — Então você é casada?
            — Não, sou separada. Acabei virando um pouco mãe solteira.
            Estava atônito, pois não sabia o que lhe dizer naquele momento. Estava feliz e queria demonstrar isto a ela, mas não sabia como.
            — Ela tem um ano e é uma princesinha.
            — Se for tão bela quanto a mãe…
            — Ah! deixa disso, você quer me deixar encabulada.
            — Mas eu quero mesmo.
            — Então eu também vou lhe deixar encabulado.
            — Duvido.
            — Você tem uns olhos lindos…
            Por incrível que pareça, fiquei sem ação e corei. Ela sorriu e me olhou de um jeito que me deixou ainda mais envergonhado.
            — Deve ser difícil pra você trabalhar e cuidar de sua filha, não é?
            — Ah, é difícil sim, mas ela é um amor. É pena que não posso ficar com ela o tempo inteiro. Mas tenho uma pessoa que me ajuda.
            — Qual o nome dela?
            — É Letícia, é ainda um nome mais bonito que Ana.
            — Em hipótese alguma eu vou discordar de você.
            — Mas você ficou vermelho quando falei de seus olhos.
            — Um pouco.
            Olhávamo-nos profundamente. Naquele momento eu tinha vontade de beijá-la. Tomá-la em meus braços e dizer o quanto eu estava encantado. Mas não, pedi a conta e fomos embora. Caminhamos de volta, o vento soprava mais forte.
            — Posso confessar uma coisa, Ana?
            — Claro!
            — Ontem eu lhe vi pela primeira vez. Parecia que eu lhe conhecia há décadas.
            — Ontem? Como assim?
            — Foi na praia. Ali, nas imediações do quiosque. Eu estava saindo e você entrava no mar.
            — É sério? — confirmei com a cabeça.
            — E depois à noite, você conversava com a moça do quiosque.
            — Puxa, não vi você.
            — Mas é normal, geralmente eu passo despercebido para as pessoas. No seu caso é mais difícil.
            — Ah! não é verdade. E o que achou de mim? Posso já lhe adiantar, acho que me achou antipática, não? É sempre o que dizem de mim.
            — Não, não achei antipática não. Séria, apenas isso. E acho que é a forma correta da pessoa se portar — falei, tentando justificar para não ficar mal com ela.
            — Eu não gosto de ficar dando conversa por aí, não. Só fui falar com você porque tive certeza de que era de Recife.
            — E eu doido para falar contigo sem saber como.
            — Ah, deixa de brincadeira, Gustavo.
            — É verdade, menina.
            — Não sou menina!
            — Como não, tem só vinte e dois aninhos...
            — Independente e com uma filhinha de um ano?
            — E isto lhe impede de ser uma menina? Você é graciosa e tem a beleza da juventude.
            — Pára! Você só quer me deixar encabulada de novo.
            — Juro que não!
            Sentamo-nos em um banco da orla.
            — Adorei conhecer você — confessou-me ela de repente, enquanto olhávamos para o mar, enquanto escutávamos as ondas se quebrando na areia.
            — E eu de conhecer você.
            Estávamos tão perto um do outro, senti o seu perfume. Não sorria naquele momento, estava séria como das outras vezes. Tinha um franzido na testa que me preocupou um pouco.
            — Algum problema?
            — Não, nenhum problema…
            Mas havia sim, só não queria contar-me e eu tinha de respeitar. Conheci-a há algumas horas, e apesar de tantas afinidades, não lhe podia cobrar qualquer coisa que fosse. Aproveitei aquele momento para contemplar ainda mais sua beleza. Vi que o que realçava ainda mais seu rosto era a sua sobrancelha arqueada, tão bem desenhada, e empregava-lhe um ar ainda mais garboso. Na realidade, toda ela parecia ser desenhada, tão delicada, uma pintura apaixonante. Seus longos cabelos negros, com alguns fios caídos sobre seus olhos, agitavam-se com o vento.
            — Eu fiz algo que lhe deixou assim, Ana? — insisti, pois ela ainda permanecia muda.
            Ela virou-se para mim e sorriu.
            — Não é nada, Gustavo. Gosto de ficar pensativa de vez em quando. Não se preocupe que não é nada contigo.
            — Você estava com um ar tão melancólico.
            — Quer ver a foto de minha filha?
            — Hã? Sim, claro que quero!
            Ela abriu sua bolsa e tirou um retrato pequeno.
            — Ela é realmente linda, e muito parecida contigo.
            — Ela é um amor, é a minha razão de viver.
            — E onde está agora?
            — Com minha mãe. Não gosto de ficar longe dela, principalmente de dar trabalho a minha mãe, mas eu estava mesmo precisando de umas férias.
            Ela olhava atentamente para a foto. Descobri que sua tristeza eram saudades de mãe. Achei lindo aquilo, admirava-a cada vez mais. Aproximei-me ainda mais, e acariciei suavemente seu rosto. Ficamos nos olhando.
            — Você é tão linda…
            Puxei seu rosto e beijei-a suavemente na boca. Senti sua respiração ofegante, estava tão nervosa quanto eu.
            — Está ficando tarde — disse ela, afastando-me um pouco.
            — Desculpe-me se…
            — Pára, Gustavo! — e beijou-me, longamente. Um beijo, ao mesmo tempo, suave, ao mesmo tempo, intenso. Delicioso! Inesquecível!
            — Já posso dizer que te amo? — perguntei algum tempo depois, quando estávamos sem saber o que dizer um ao outro.
            — Não! — disse-me, e depois sorriu graciosamente. — Ainda é muito cedo, e se você dissesse, eu não acreditaria.
            — Já ouviu falar de amor à primeira vista?
            — Hum… mas que frase mais clichê!
            — Às vezes elas são as únicas que conseguem traduzir toda a verdade de um sentimento.
            Rimos os dois. Estava realmente tarde, ficamos conversando por várias horas e estava perto de dar meia-noite. O vento era frio e forte. Seu hotel era vizinho ao meu.
            — Você não quer que eu suba? — perguntei-lhe, já no saguão.
            — Calma! Você é muito apressadinho.
            — Podíamos ter uma maravilhosa noite de amor.
            — Verdade?
            — Sim!
            Sorrimos alto, consegui arrancar dela uma deliciosa gargalhada.
            — Olha, Ana, eu estou brincando. Apesar de querer muito fazer amor com você… Mas eu me contento com um beijo — definitivamente eu enlouquecera, pois não sabia como aquelas palavras, atropeladas, são de minha boca. Havia algo no vinho, decerto!
            Ela me deu um longo beijo, depois pegou a chave na recepção e a vi desaparecer no elevador, enquanto acenava para mim.
            — Pois eu já te amo, Ana… — disse baixinho, quando ela desapareceu completamente.
            Regressei ao meu hotel, ao meu quarto, à minha cama. Estava tão cansado, tão feliz. Felicidade embriaga. Amanhã (ou hoje) já seria domingo e teríamos mais um dia maravilhoso pela frente. Eu só queria dormir e sonhar com ela. Desabei no colchão e adormeci profundamente.

2 comentários:

Danila disse...

A história tá ficando boa..... que curiosidade de ver logo o fim desse conto!!!!!!!
Abraço, RicaRRRRRdo!!!

Márlon Soares disse...

RicaRRRRRRdo.

Acho você talentoso.

Olhe isso:
www.mesadoeditor.com.br

É um começo para quem quer começar.

Abraço