Eram seis e meia da manhã quando o
avião pousou em solo pernambucano. Fazia sol e um calor de trinta graus já
naquele horário. Cerca de cinquenta pessoas desembarcaram, após algumas horas
de voo. Deixaram a chuva de São Paulo para o sol escaldante da terra do frevo.
Felipe
desceu ainda com o rosto marcado por ter ficado bom tempo encostado na janela.
Ainda estava com a perna ligeiramente dormente. Ficara fora por umas três
semanas realizando um trabalho de pesquisa que resultou em uma publicação de
cinco páginas em uma conceituada revista de renome nacional. Tinha alcançado o
auge, até o momento, de sua carreira jornalística. Passara boa parte do ano em
viagens e queria aproveitar o último mês do ano para merecidas férias e
descanso. Já tinha vários projetos aprovados e engatilhados para o ano seguinte.
Após pegar
sua mala, dirigiu-se até o saguão, onde um amigo o esperava. Com poucas pessoas
circulando no aeroporto às sete da manhã, em pleno domingo, não foi difícil
avistá-lo. Rodrigo era um amigo de longa data. Professor de universidade,
formado em letras, era uma espécie de amigo de infância que encontrou apenas
aos vinte anos de idade. Deram-se as mãos e abraçaram trocando afáveis
cumprimentos.
- Mas
rapaz! Quanto tempo!
- Que
nada… Faz o quê… uns dois anos? - riu Rodrigo, enquanto punha as poucas bagagens no seu
carro.
- Não,
teve o São João do ano passado, lembra?
- Puta
que o pariu! -
gargalhou. -
Você ainda se lembra daquela merda? Fiz questão de apagar da memória
completamente.
- Mas
eu não -
continuou Felipe, puxando a porta do carro enquanto o outro dava a partida. - Fui
eu e Ana que tivemos que ficar limpando a sujeirada que você fez. Ela não
queria ver você pintado nem de ouro.
- Eu
avisei, não podia misturar bebida. Cerveja, vodca e cachaça… Queria o quê? Deu
merda!
E os dois
continuaram gargalhando ainda um bom tempo, lembrando a reunião que Felipe
oferecera em sua casa para alguns amigos dos tempos de faculdade. Rodrigo
misturara tudo que era tipo de bebida e a festa terminou cedo para ele. Depois
dessas lembranças, a conversa prosseguiu por assuntos mais sérios. Quando
Felipe perguntou sobre o trabalho, as aulas, uma pergunta corriqueira, na qual
ele esperava uma resposta banal, o amigo sorriu.
- Bem,
era exatamente aí que eu queria chegar… - e diante da expressão
interrogativa do outro, ele prosseguiu. - Na verdade, eu gostaria
de te pedir um grande favor. Sabe, daqueles favores de irmão, de amigo do
peito…
Felipe
interrompeu na hora, soltando um suspiro, balançando negativamente a cabeça, ao
mesmo tempo em que sorria.
- Eu
devia ter desconfiado. Você me manda um e-mail, depois de meses sem contato,
depois se oferece para me apanhar no aeroporto… Eu imaginava que tinha algo por
trás disso. Provavelmente um favor que eu não gostaria muito de fazer. Na
verdade, um favor que eu não gostaria nada de fazer.
- Ora!
Não seja tão dramático. É coisa simples…
Rodrigo
principiou contando que este ano tinha sido muito proveitoso nas aulas, que
tinha aprovado um projeto de pesquisa, tinha conseguido também aprovar um
projeto de extensão. Depois de dez anos na carreira universitária, as coisas
finalmente corriam como ele sempre queria. Mas ele se ateve ao projeto de extensão.
Apesar de Felipe estar longe do ambiente acadêmico há bastante tempo, sabia o
que se significava tudo que ele dizia. Ele detalhou seu projeto, que era
simples, um conjunto de aulas, de minicursos na verdade.
-
Então, são minicursos em áreas diferentes do que eles estudam no curso normal.
E em nível acessível a todos, inclusive, para outros cursos também.
- E
você quer que eu participe de um desses minicursos? Que eu dê um desses
minicursos?
-
Exatamente! A proposta é justamente que os profissionais deem a sua visão, o
seu modo de pensar, de escrever. Diferente de uma disciplina que eles
encontrariam na faculdade. E para falar sobre redação jornalística, criação,
não vejo ninguém melhor que você. Na verdade, não conheço. É um curso de uma
semana apenas, duas horas cada dia. Não vai tomar muito seu tempo. Pense que é
uma palestra prolongada, diluída ao longo de cinco dias. Moleza!
- Eu
nunca dei aula. Não tenho vocação, paciência, sei lá… Mas, por nossa amizade,
vou aceitar. É a maior roubada que você já me meteu - olhou em volta, estava
quase chegando. O carro parou diante do edifício onde morava. - Bem,
e quando é que é que eu tenho que dar esse minicurso?
- Hum…
na verdade começa na próxima semana. E já tem trinta pessoas inscritas e
confirmadas.
- O
quê?! -
e bateu a porta do carro com relativa força. Olhou para dentro do carro, pela
janela, e rindo, disparou: - Você é um tremendo de um filho da puta!
2 comentários:
Se desse aula tão bem quanto escreve todos nós "alunos" seriamos os melhores.
Muiito obrigado, anônimo. No próximo comentário deveria assinar.
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