quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A mulher dos meus sonhos (parte final)

A mulher dos meus sonhos


(...)


            Acordei um tanto embriagado. Sentia frio; a janela estava fechada e o ar-condicionado estava no máximo. Era dia já. Levantei-me, o meu primeiro pensamento pertencia a Ana. O engraçado é que pouco conseguia lembrar-me da nossa conversa. Talvez tenha tomado muito vinho, só lembrava alguns momentos, mas tinha a certeza de ter conversado horas e mais horas. Fui até a janela. Talvez fosse cinco da manhã, pois o céu era um misto de dia e noite, tons em amarelo, vermelho e azul celeste. Quando me aproximei e vi um movimento intenso na avenida meu coração disparou. Não consegui ver o sol, era como se ele estivesse se pondo ao invés de nascer. Desci rapidamente.
            — Por favor, que horas são? — perguntei à recepcionista.
            — Já são cinco e meia, senhor. Algum problema? — perguntou-me ela.
            — Meu Deus! Acho que dormi o dia inteiro.
            — Como assim? Sr. Gustavo, o que o senhor quer dizer com ‘dormi o dia inteiro’?
            — Você não estava quando eu cheguei ontem à noite, de madrugada. Passei o dia inteiro dormindo.
            Ela sorriu.
            — Não se preocupe — falou ela com um sorriso cordial, mas percebendo alguma confusão de minha parte. — É comum as pessoas se confundirem…
            — Como assim? Você quer dizer perder a hora, não é? — disse-lhe sorrindo, tentando amainar meu nervosismo.
            — Não, senhor. É que o senhor passou por aqui hoje mesmo, duas vezes.
            — O que quer dizer?
            — Sim. Duas vezes: quando saiu, acho que por volta das oito horas, e quando chegou, às duas horas.
            Meu coração parou de súbito e disparou em seguida. Estava sem entender nada. Ela prosseguiu.
            — Creio que o senhor tenha ido dormir e perdido a noção do tempo.
            — Mas hoje não é domingo?
            — Hoje ainda é sábado, sr. Gustavo — concluiu, pausadamente, muito suavemente.
            — Meu Deus, que confusão! Mil perdões pela minha confusão! — disse-lhe, subindo de volta ao meu quarto.
            Tudo ficou tão claro de repente. Era sábado! O meu sábado não existira! Ana não existiu. Cada vez mais nossa conversa ia ficando embaçada na minha memória, dissolvendo-se com o passar das horas, na verdade, dos minutos. Tranquei-me e chorei profundamente, durante muito tempo. Ela realmente era um sonho. Fora tudo um sonho! Ela foi um sonho! Mas eu a amava ainda tão fortemente, de forma tão sólida, tão física. Como pudera tudo não ter passado de um sonho!
            Procurei o restaurante onde havíamos estado e ele não existia. Jantei em qualquer lugar mesmo, estava fraquejando de tanta fome. Na volta, parei no hotel onde ela estaria hospedada e procurei por ela. Não havia nenhum registro e ninguém jamais a tinha visto.
            Por fim, fiquei o resto da noite no banco próximo ao quiosque defronte o meu hotel, numa esperança remota de que ela aparecesse. Não apareceu. Já havia desistido e pronto para voltar ao meu quarto quando decidi falar com a moça que estivera falando com ela antes.
            — Boa noite!
            Ela me sorriu.
            — Estou procurando uma moça…
            — Uma moça?
            — Sim, eu a vi conversando com você ontem à noite.
            — Desculpe, é que eu converso com tantas pessoas, mas, se puder descrevê-la, eu tenho boa memória — falou, solícita.
            — Estou contando com isso. Ela é alta, quase da minha altura, magra, esbelta na verdade. Tem longos cabelos negros… Deixa ver, sobrancelhas arqueadas, a pele bronzeada…
            — Eu acho que sei de quem você está falando.
            — Sabe?
            — Sim, ontem eu acho que ela estava usando uma saia bem comprida.
            — Ela mesma — meu coração disparava. — Não fora um sonho! Pelo menos não totalmente. Eu estava salvo!
            — O nome dela é Letícia.
            — Letícia?!
            — Sim. Ela não é daqui, é de Pernambuco. Estava de férias, hospedada no hotel aí em frente. É uma pessoa maravilhosa, fizemos uma boa amizade.
            — Você disse que ela se chama Letícia? Só Letícia? Estava de férias? É de Pernambuco?
            — Exatamente, por quê? Não era essa?
            — Não, pelo contrário, ela mesma. Você sabe mais alguma coisa? Ainda está aqui?
            — Bem, ela me disse que era professora. Tão novinha! Não é comum encontrar professoras novinhas. Mas infelizmente ela foi-se embora hoje pela manhã. Ontem ela esteve aqui para se despedir.
            — Foi embora? Que pena!
            — O senhor a conhecia?
            — Não, quer dizer, agora acho que sim. Muito obrigado! Boa noite! — eu estava aflito, um tanto afobado, sem conseguir raciocinar direito.
            Ela deu-me adeus. Retornei ao hotel, mas não consegui nenhuma informação, informações sobre hóspedes eram estritamente sigilosas. Só me informaram que ela havia deixado o hotel no sábado pela manhã, de volta ao Recife.
            Minha cabeça estava uma confusão de pensamentos. Como era possível tudo aquilo? Como ela poderia ser somente um sonho? Como eu poderia saber tanto? Passei toda a noite acordado, pensando, chorando, pensando.
            Na manhã seguinte, arrumei minha bagagem e antecipei minha volta. Se ficasse mais tempo enlouqueceria. Enquanto esperava que minha conta fosse encerrada, fui ao hotel onde ela ficara e perguntei novamente, agora apresentado seu nome. A mesma moça do dia anterior me atendeu.
            — Ah! sei quem é. Dona Letícia! Engraçado chamar de dona uma moça tão jovem. Ela é uma pessoa ótima, e sua filha é um amor.
            — Como assim? Filha?
            — Sim, ela estava com a filhinha de um ano.
            — E como se chamava ela? A filha.
            — Ana.
            — Ana? Tem certeza?
            — Sim.
            Voltei ao meu hotel, fechei a conta e sumi dali.
            No ônibus, durante a minha volta para Recife, eu não conseguia pensar em mais nada. Definitivamente havia um grande mistério em tudo isso. Qual explicação? Não haveria explicação. Um sonho? Uma realidade? Os dois? Talvez fosse melhor assim, afinal, eu não poderia viver isso além do sonho, e só em sonho eu podia permitir-me amar tão intensamente. A realidade aos poucos se foi fazendo presente, os sentimentos tomando suas verdadeiras colocações. Quem sabe um dia eu a encontre, olhe para ela e sinta o gosto maravilhoso de seu beijo, e ela nunca saberá que já desfrutei de sua tão agradável companhia. O destino às vezes é tão cruel, e também tão sábio. Vivi o amor mais intenso da minha vida. Um amor que na vida real eu não viveria, decerto, não daquele jeito. Olhei para a aliança em minha mão esquerda e dormi durante o resto da viagem, dormi um sono tranquilo e não sonhei mais com ela.

            Dobrei o papel, após reler o conto e relembrar a dor que me acompanhara por toda a vida. Minha carreira como jornalista foi um fiasco, minha vida sentimental, idem. Ainda bem que sou um grande e triste escritor. Tenho idéias para histórias e sonhos para suplantar a realidade. Chorei por Ana, que nunca mais cruzou pelos meus olhos, mas que povoou meus sonhos e me inspirou ao longo desses tantos anos.

Um comentário:

Márcia UFPE CAA disse...

As vezes o sonho se torna a principal forma de viver momentos de felicidade. O que seria de mim se não fosse os sonhos. Esse conto é lindo e verdadeiro.