quarta-feira, 27 de abril de 2011

Primeiras Memórias - parte 2

Sem mais delongas, segue a 2ª parte do conto Primeiras Memórias... espero que gostem!


II


            O caminhar era tranquilo. Seus passos prosseguiam firmemente, num ritmo bastante regular. Era o alvorecer. Desde que saíra da casa dos seus pais, há pouco mais de seis meses, procurava criar uma rotina. Ainda havia lapsos de memória de sua briga com o pai, briga tal que sua mãe nem teve coragem de intervir a seu favor, como tantas outras vezes ela fizera. Isto provavelmente o tenha ferido mais. O soco que dera no indivíduo que o criara, educara, amparara em tantos momentos, fora o ponto decisivo para arrumar suas malas e sair de casa para nunca mais voltar. Nas suas longas caminhadas diárias, pelo centro do Recife, nas ruas ainda sem nenhum movimento, serviam para rever todos esses momentos decisivos. Mas, sem dúvida alguma, isto o cansava, o deixava irritado. Ainda tinha a lembrança viva de encontrar seu pai com aquela vagabunda, na cama de sua mãe. Ele não me vira no momento, mas o horror do sexo ainda martelava sua cabeça. Fora a gota d’água! No dia seguinte, quando sua mãe já estava de volta, gritava e socava seu pai, chamando de imundo, porco, entre outros impropérios.
            Chegou de volta ao seu apartamento antes das cinco e meia, mas o sol já ia alto. Era segunda-feira e aquele seria o primeiro dia de trabalho, recém-saído da universidade. Queria fazer carreira, deixar todos os fantasmas de lado, e um dia chegar aos pés de sua mãe e pedir perdão por tudo que a tinha feito sofrer.

* * *

            O ambiente ao final do dia era menos assustador do que imaginara. E durante a semana não fora diferente. O trabalho estava dentro do que ele esperava, e não o exauria tanto outro trabalho. Outro ponto positivo, a seu ver, era a equipe de trabalho, seus colegas diretos pareciam muito simpáticos e atenciosos, dispostos a ajuda-lo sempre. Contudo, o que chamou realmente sua atenção fora uma moça que trabalha em outro setor da empresa, na parte de comunicações. Durante a semana houve algumas trocas de olhares, rápidas, mas com profundo significado para ele. Na sexta-feira, seguiu-a até em casa, tal era seu encantamento. Quando ela entrou, ele sentou-se do outro lado da rua, em uma pequena praça escura e abandonada. Na verdade, não fazia ideia da razão de estar ali, era algo completamente incongruente, por assim dizer. Mas estava tentado, absorto com a beleza daquela menina. No ambiente de trabalho seria difícil uma aproximação. E ele ainda não havia descoberto se ela tinha namorado, ou mesmo se estava envolvida emocionalmente. Decerto, estava apostando todas as suas fichas em uma atitude ousada, até certo ponto louca. Passava das nove horas quando ela saiu de sua casa, sem olhar para trás. Caminhou até o ponto de ônibus, seguiu-a, parando ao seu lado, sem olhar para ela. Havia trocado de roupa, tomado banho e estava exalando um perfume suave, ao mesmo tempo, inebriante. Nesse meio tempo, enquanto estava ao seu lado, não a olhou, para não dar mostras de que a seguia, a fim de não a assustar. Seu plano funcionara até melhor do que esperado, pois foi ela quem deu o primeiro passo.
            ­— Desculpa lhe incomodar — disse ela, com sua voz suave. — Mas eu não conheço você? ­— e antes que ele pudesse responder qualquer coisa, ela prosseguiu. — Você não trabalha lá na empresa?
            — Verdade! Puxa, achei que não iria me reconhecer — e mentiu. — Reconheci você quando estava me aproximando do ponto, não lhe incomodei, porque achei que você não gostaria de falar com estranhos ­— e antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, emendou: — Mas o que você faz por aqui, a essa hora?
            — Eu moro por aqui, nesta rua. Mas nunca vi você por aqui.
            — Mudei-me há pouco tempo. Moro duas quadras para lá — e apontou para um sentido oposto de onde ela mora. — E você está indo para onde?
            — Vou tomar um chope com uns amigos — e ela olhou para mim por alguns segundos, e emendou — Você gostaria de ir?
            Seguimos no ônibus conversando. O seu aceite foi imediato e foi a oportunidade de conhecê-la e saber que seu nome era Larissa, que morava com os pais e irmãos e tinha um namorado que estava viajando, militar do exército. Ela trabalhava havia dois anos na empresa, mas pensava em deixar por não ver maiores possibilidades de crescimento. Com o passar dos minutos, a conversa envolvente dela demonstrava a carência que ela sentia do namorado, bem como a dificuldade que ela tinha de manter aquele relacionamento à distância.
            — Eu tenho desejos, sabia. Qualquer mulher tem desejos!
            Desceram e caminharam até o barzinho onde ela combinou com os amigos. Mas o bar estava cheio, muito barulhento, e ela própria sugeriu que fossem a outro lugar mais tranquilo, porque a conversa estava muito agradável. Eles foram então para um bar algumas quadras depois e ficaram tomando cervejas. Ela cada vez mais se soltava, e falava sobre a difícil relação com os pais, e principalmente com o namorado.
            — Posso te contar um segredo? — disparou ela em certo momento. Ele apenas assentiu com a cabeça. — Já traí meu namorado. Sabe, ele estava há mais de seis meses longe. Eu não aguentei, é difícil, muito difícil. E eu tenho muito desejo.
            — Nossa! Isto é muito mais comum entre homens. Aposto que seu namorado tem outras onde ele está.
            — Ele nega, jura de pés juntos que é fiel. Mas você acha que eu acredito nisso? Homem é homem! Se eu tenho vontade de uma boa trepada, será que ele não tem? Mentiroso! É por isso que eu quero terminar tudo — concluiu ela virando um copo de cerveja.
            E a conversa de ambos seguiu flutuando e com fluência poucas vezes vista. Os assuntos foram-se tornando cada vez mais intensos e íntimos, para não dizer picantes. Era como se já tivessem uma convivência de anos. E os copos de cerveja se foram seguindo e aumentando.
            Passava da uma da manhã quando deixaram o local. Ambos estavam bêbados, ela ainda mais do que ele. Mas seu olhar mostrava traços de languidez, enquanto ela tinha olhos no vazio. Ele chamou um taxi e ambos seguiram para sua casa, algo que Larissa nem se deu conta. A viagem durou alguns minutos apenas, tendo em vista a ausência de trânsito naquele momento.

            Ela deixou cair a última peça de roupa. Seus olhos fintavam o corpo nu daquela garota incrivelmente bela. Os cabelos dourados, lisos, formando uma tela de um único tom com o corpo alvo, quase transparente. Os seios volumosos, firmes ainda, com mamilos róseos e eriçados, arfavam e acompanhavam a respiração ofegante dela. Ele continuou a fitá-la, sem conseguir piscar, sem conseguir mover um músculo da face. Depois murmurou apenas “bela” e a chamou para junto de si. Eles beijaram-se voluptuosamente, ardorosamente, como se quisessem arrancar do outro não apenas a respiração, mas também a alma. Ela tomou o sexo dele para si o sugou até quase o êxtase pleno de ambos, e tempos depois estavam se amando como animais nos instintos mais próprios e profundos. O exalar do suor tomava todo o quarto, e aos poucos o recinto foi tomado de um cheiro forte de sexo e paixão. Um completando o outro.
            Após algumas horas, quando os primeiros raios de sol invadiam o quarto através das persianas semicerradas, os corpos ainda nus de ambos repousavam sobre a cama. Foi ele quem primeiro levantou e depois se sentou ao lado dela. Olhando seu corpo brilhando, refletindo a luz matinal, sentiu algo estranho dentro de si. Continuava a contemplar o corpo jovial da menina dormindo, mas já não sentia a mesma atração de horas atrás, pelo contrário. Um torpor tomou conta dele, um asco que ele nunca havia provado, e veio o gosto amargo em sua saliva. Olhava e principiou a acariciar os fios louros daquele cabelo. Com outra mão percorria cada parte do seu corpo, num toque leve, quase imperceptível, passando pelos seios, pela barriga, parando sobre os pelos pubianos dourados, depois fazendo o caminho de volta. Toda ela brilhava. Uma lembrança perpassou em sua cabeça e vieram lágrimas aos seus olhos. Fechou os olhos e a vaga lembrança tornou-se sólida, com desenhos e contornos bem definidos. Ele viu o corpo dele sobre o dela, subindo e descendo. Os gemidos martelavam seus ouvidos, feriam seus tímpanos. A frequência aumentando até ele cair do lado, inundado de suor, enquanto ela, com seus cabelos platinados, permanecia com as pernas abertas, coberta ainda do suor dele. Uma súbita ânsia de vômito veio e fez com que ele abrisse os olhos. Fechou as mãos com força, segurando violentamente seus cabelos. Ela despertou assustada, urrando de dor.
            — Meu cabelo! Você está puxando meu cabelo!
            Ele limitou-se a olhá-la, sem mover um músculo da face. Seus olhos frios penetravam-na como punhais perfurando sua alma.
            — Pare! Pare, por favor! Você está me machucando! — gritava sem sucesso, e debatia-se, tentando segurar sua mão, num tentativa frustrada de fazê-lo soltar seus cabelos. — Por que você está fazendo isso, me solte, por favor!
            Foi quando, com a outra mão, desferiu um soco em seu rosto. Sentiu alguns dentes dela partirem-se e a pele se rasgar. E socou mais duas vezes, fazendo-a desmaiar. Soltou seu corpo inerte sobre a cama. O corpo nu agora era coberto de suor e uma mancha de urina que se alargava sobre o lençol. Minutos depois ela despertou, mas sem forças nem para falar, quase se engasgando com o próprio sangue na boca.
            Foi quando ele falou, pausadamente, pela primeira e última vez:
            — Sua vagabunda… Você destruiu minha vida, destruiu minha vida!
            Montou sobre ela e apertou com as duas mãos seu pescoço, apertando até que a pulsação cessasse por completo, até que restasse apenas o corpo inerte, morto, sob ele. Um pedaço de carne que seria devorado por vermes.

            Era madrugada quando Gustavo desceu carregando uma grande mala. Cumprimentou o porteiro que cochilava diante do monitor em preto e branco que mostrava apenas a entrada do edifício. Um taxi já o esperava na porta e o levou até o terminal rodoviário, bem distante do centro da cidade. Desceu carregando a pesada mala e saiu arrastando alguns metros ainda, em direção oposta ao que se podia supor qualquer um, caminhando para o esmo, em meio ao breu da noite. E em meio a essa caminhava, parava, abria a mala, e deixava pequenos sacos de lixo em meio ao matagal. Ao fim de uns cinco quilômetros, deixou a mala aberta, na beira da pista. E voltou. A lua crescente, acima dele, era a sua única testemunha.

* * *

            Dois dias depois, no trabalho, havia rumores sobre o desaparecimento de uma funcionária do setor de comunicações da empresa. Tempos depois, descobriu-se que ela havia fugido com um desconhecido, deixando uma família desesperada. O namorado nem quis saber de nada, apenas se limitou a dizer que sabia que ela não valia nada.
           
            Cerca de seis meses depois, Gustavo foi demitido por faltar mais de cinco dias ao trabalho, sem dar uma única justificativa.

4 comentários:

Cacau disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cacau disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cacau disse...

Ufa! (respirei) Esse seu conto está forte, porém magnífico. Caro amigo linda narrativa perfeita e como sempre bastante criativa, parabéns pela sua mente e seu poder de criar, recriar e induzir nossas mentes a fantasiar junto com vc emoções e situações a partir de suas escritas.
PS: Já estou ansiosa pela parte final.

Isa F. disse...

Eu preciso do fiiiiiiiiiiiiinal