sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O POETA (parte 3)

O Poeta


III


            Vinícius aparece minutos depois dos pais terem saído. Abre vagarosamente o portão, procurando fazer o mínimo de barulho. Tinha ainda os olhos inchados, dormira um pouco, acalmara-se, procurava uma luz de lucidez. Recostara-se no muro de granito e cimento, assobiando baixinho. Olhou para o céu, contemplou a ausência de nuvens, que permitia um festival de estrelas, e a lua bem acima, majestosa.
            — Que bela, Lua, que bela! — disse, alargando um sorriso triste, carente. — Sabe, dona Lua, a senhora me traz paz. É… paz e tristeza também. Tempos felizes! Te lembras do poema que fiz, há alguns anos, inspirado em tua beleza? Pois é, foi o último, foi para minha amada. Ó Lua magistral, tenho ainda decorado, queres ouvir? Ouve:

Não sei por que penso em ti todo o dia
Quando menos espero,
Sonho com você
Vejo esse teu sorriso único,
Esse jeito só teu, de me ofender.
Talvez seja essa tua voz,
Esse teu êxtase.
Observo teus olhos, tão lindos, tão tristes
Teu coração forte tão sentido.
Pareces uma boneca, um anjo
Pareces uma flor dos campos, alguém ferido
Precisando de ajuda,
Mas fico feliz quando estou contigo
Sinto-me alguém que não sou
Fico desesperado atrás do teu sorriso.
Para mim tu és a princesa mais linda
A rosa mais bela que se pode cultivar
És a água que dá vida ao mundo
És o ar que sustenta este velho coração.
Sonho contigo, todas as noites,
Passo a minha vida esperando você.
E quando a noite, então se acentua,
Não brinco mais com o sol, e sim, com a lua!

            Gostaste, Lua? É bonito, não?
            Vamos, confessa, se ofendeste comigo?
            Perdão, perdão!
            Há dois anos te peço clemência,
            Eu sei ficaste ofendida
            A culpa é desta minha demência…
            Ó Lua, eu te traí, não foi?
            Sim, porque não foi para ti que fiz,
            E sim para Clara.
            Clara, Clara, Clara!
            Estás me ouvindo, Lua ingrata?
            Claro que sim,
            Não podias vingar-se de outro modo
            És astuta, infalível, e dois anos
            Eu vivo, comido pelo remorso.
            Eu te rogo — e se ajoelha —
            Me perdoes, Lua querida!
            Perdoe este falido poeta
            Que agora chora,
            Como todas as noites,
            Todos os segundos…
            Perdão, Lua, perdão!

            Vinícius deixa a calçada, triste, chorando. Retorna à sua prisão.

2 comentários:

Anônimo disse...

Estou ficando triste pelo Vinícius!!!

Danila

C.K disse...

E mais uma vez o escritor enche nossos olhos e mentes de palavras emocionates e que tocam em nosso interior nos deixando inexistentes,(tb) fico triste por Vinícius, mas acho que os sentimentos dele eram sinceros!!!