O Poeta
II
O bairro onde mora é de classe média, uma rua típica de fronte a uma praça bastante movimentada. É noite, quase madrugada. Do portão saem os pais de Vinícius. Ele com um cigarro na mão, ela carregando duas cadeiras de plástico, pondo-as defronte à casa.
— Olha a lua, mulher! — brada Antenor, admirando a beleza singular da lua.
— Está linda! — confirma Virgínia, num sorriso, passando a mão no braço do marido, que acabara de acender o cigarro.
— Linda… me faz lembrar de tempos…
— De todos os tempos difíceis.
— Olhe a lua, não retruque, está linda de verdade. Lua cheia… Está brilhando como poucas vezes, sabe, assim. Eu até me emociono.
— Deixa de besteira, homem de Deus, deixa!
Ele riu, mas não falou nada. Puxou uma forte tragada, liberando aos pouco a fumaça danosa do cigarro. Ela completou:
— Homem se emociona também. Está pensando o quê?
— Eu não sei. É que eu vejo a lua, tão cheia, tão grande… O que se pode dizer? Eu verdadeiramente, não sei. É tudo tão bonito! Virgínia, vamos, me fala, não me esconde, o que está acontecendo, não mente!
Ela assustou-se um pouco com o rumo novo da conversa.
— Não é nada, amor, não é nada.
— Como não é nada? Eu sei, eu vejo. Mentir pra mim… você sabe, é besteira. Mentir pra mim, deixa ver, o que digo… é como mentir para Deus. Alguém mente, esconde algo de Deus?
— Eu não minto, querido, mentir é pecado.
— Virgínia, minha mulher, nesses trinta anos nunca te menti. Não quero que o faças agora.
— Mas eu não minto, também. E sei que você não mente para mim. É um homem bom, graças a Deus. Se eu escondo alguma pequena besteira, é para o seu bem, por causa do seu coração, meu amor. E você sabe bem o quanto sinto temor por perdê-lo. Não é?
— Sim, é. Pois então, isso que sei que você está escondendo também pode matar-me, estou aflito. E sei que diz respeito ao nosso filho. Vamos, lhe suplico!
— Não carece se aborrecer, Antenor, deixa que dos aborrecimentos eu cuido.
— Mas como você é teimosa!
— Só quero poupá-lo…
— Poupa-me mais dizendo a verdade.
— Está bem. É com o Vinícius, nosso filho…
— Que tem ele? Doença?
— Não, acredito que seja dor de amor. Ele não se abre, está amofinado no quarto, quase não come, quase não dorme. Toda vez que tento me aproximar, ele me afasta, finge-se são.
— Meu Deus!… É com certeza sofrimento por alguma namoradinha.
— Antenor, querido, esqueceu que ele tem uma namorada, que a adora, que certa vez já falou até em casar-se com ela? Já imaginou, meu filhinho, tão moço, casado?
— Então, o que o afligirá?
— Pois é isto o que me preocupa. Mas é melhor entrarmos, você não pode ficar aqui no sereno muito tempo, tomando friagem.
Ela pegou as cadeiras e carregou para dentro de casa. Antenor deu a última tragada no seu toco, atirando-o longe. Milagre a mulher não ter reclamado do seu vício, ela realmente deve estar muito preocupada.
3 comentários:
Ahhh.... Um escritor nunca subestima seus leitores. rsr
Não é subestimar... é instigar... rs
kkkk
Boa estratégia,
e eu cai nela.
HEeheh mas enfim, estou acompanhando o poeta
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