sábado, 15 de outubro de 2011

Para pensarmos: "inflar currículo é desleal e improdutivo"

Ainda com o espírito imbuído pelo dia do professor, li um texto na revista Química Nova que fala sobre docentes do Ensino Superior, justamente os responsáveis por aprendermos uma profissão. O editorial foi publicado na Química Nova, volume 34, número 7 deste ano de 2011.

O texto, apesar de escrito por químicos, é direcionado a todas as áreas. Assim, recomendo a leitura a todos. Apesar de ser um pouco longo (o texto), vale a pena, principalmente para aqueles que almejam um dia fazer concurso público e tornarem-se professores universitários e também cientistas.


INFLAR CURRÍCULO É DESLEAL E IMPRODUTIVO

O número de vagas docente ofertadas nos últimos 5 anos para o Ensino Superior, principalmente no sistema federal, ampliou significativamente o quadro docente das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). Esta ampliação acompanhou a criação de novos campi, o aceleramento do processo de interiorização das universidades brasileiras e o maior acesso de estudantes, até então excluídos, às instituições de Ensino Superior. As ações do governo foram muito positivas no que diz respeito ao Ensino Superior. Por outro lado, como em qualquer situação de crescimento rápido, o grande número de concursos para as IFES vem trazendo preocupações com o sistema de avaliação para a contratação de docentes.
As universidades têm autonomia para decidirem a melhor forma de avaliação de candidatos a docentes. Aparentemente, não há consenso sobre como fazer isso. A única certeza é que os sistemas de avaliação estão ultrapassados e desfocados dos novos paradigmas do ensino e pesquisa. Aliado a este fato, há um elevado número de candidatos nos concursos com currículos repletos de publicações científicas que, muitas vezes, não passam da primeira fase, pois são reprovados na prova escrita de conhecimentos. Há muitos outros candidatos que passam com a nota mínima na prova escrita e são eliminados na prova didática. Refletir sobre esta situação é o objetivo deste editorial.
Por que candidatos com currículos com muitas publicações científicas vêm sendo sistematicamente reprovados nos concursos para docentes das IFES? Entre as possíveis explicações para este fato, notam-se indícios de orientadores inflando os currículos de seus alunos ao criarem verdadeiros clubes de publicação entre os pós-graduandos do laboratório, e até entre laboratórios. Só pode ser coautor o estudante que tiver contribuído com o trabalho, às vezes, a maior contribuição é até de um aluno de Iniciação Científica, graças a sua dedicação ao seu projeto de pesquisa. Não se pode sequer imaginar um orientador querendo tornar o currículo de seu orientado mais competitivo, inflando-o. O mais grave de tudo isso é que esta prática servirá de modelo para os pós-graduandos, que a reproduzirão quando forem orientadores.
Ao lado deste aspecto negativo há outro que não se pode esquecer. Os concursos atualmente são feitos como há 20 anos, quando os concursos mobilizavam todo o corpo docente e discente das Unidades ou Faculdades aonde ocorriam, como em um grande acontecimento acadêmico, enquanto que hoje, no Brasil, são titulados cerca de 12.000 doutores por ano. Basta dizer que os Programas são os mesmos e que às vezes os concursos ficam abertos durante apenas 2 semanas, isto sem falar nas provas que exigem dos candidatos que dissertem sobre 3 dos 10 tópicos do Programa, em 4 horas de prova escrita. Muitos candidatos não são aprovados nas provas didáticas. Em recente publicação em Química Nova, Silva e colaboradores constataram que 37% dos alunos de pós-graduação de Química da UFMG declararam que não se sentem preparados para ensinar na graduação.
Mudar este panorama não é difícil, só depende dos dirigentes universitários, dos coordenadores de pós-graduação e, sobretudo, dos orientadores que têm de cuidar da formação de seus orientados. Aos dirigentes universitários cabe a reformulação dos concursos. Os editais devem ficar abertos no mínimo durante 60 dias, e deve-se exigir dos candidatos nas provas de título que expressem nos seus currículos a sua titulação, aptidão, competência, habilidades, conquistas pessoais e as contribuições feitas que justifiquem a coautoria nas suas publicações. Os coordenadores de pós-graduação devem acompanhar de perto o desempenho do estudante no estágio-docência e a rotatividade dos docentes nas disciplinas de pós-graduação. O papel do orientador é, sem dúvida, o mais importante. Afinal, é ele que servirá de modelo para os seus orientados que, no futuro, serão igualmente orientadores. A ele cabe zelar pela formação, em todos os aspectos, do pósgraduando, valorizando o aspecto ético.
O sistema de pós-graduação no Brasil cresceu quantitativa e qualitativamente. Hoje se pode afirmar que há massa crítica na pós-graduação, que a CAPES e o CNPq se profissionalizaram
e que os deslizes que vêm sendo observados, apesar de serem poucos, devem ser corrigidos para não se propagarem.
Valorizar a vida do profissional e as aptidões conseguidas ao longo da carreira acadêmica é importante, mas o currículo deve ser coerente com as conquistas obtidas somente pelo esforço pessoal e não através de artifícios duvidosos.

Vitor F. Ferreira (IQ-UFF)
Editor de Química Nova
Angelo C. Pinto (IQ-UFRJ)
Editor do JBCS (Journal of the Brazilian Chemical Society)


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