Rodrigo
abriu a porta de sua casa para Felipe, a esposa e os dois filhos. Era noite de
Natal. Os dois amigos, depois de algumas doses de uísque caminharam pelo amplo
jardim. Luzes enfeitavam quase todas as plantas. Uma decoração atraente.
- Se
existe uma coisa da qual eu não abro mão é de morar em uma casa. Um jardim bem
cuidado faz toda a diferença - Felipe concordou silenciosamente. O amigo continuou: - Você
está diferente. Passou a noite toda calado. Nem pudemos conversar sobre o
curso. Como foi? Gostou de ser professor?
Felipe
respirou fundo.
- Você
não faz ideia do que me aconteceu esta semana.
- É…
não faço mesmo. Se você não me contar, vou continuar sem saber.
-
Conheci uma garota. Uma aluna…
- Puta
que o pariu! -
quase gritou, no meio do jardim vazio. Sentou-se em um banco. E depois em voz
baixa, sussurrou: -
Que história é essa? Que merda você fez?
- Como
assim? Que merda eu fiz? Você que me colocou nessa situação…
- Ah!
Fala sério! E você é um menino indefeso… Espero que você não tenha feito nada
que deponha contra mim - e antes que Felipe tentasse se explicar, continuou: - Você
sabe que dá a maior merda esta história de professor e aluna. Já aconteceu isto
lá no departamento. O maior rolo! Sei que é a maior hipocrisia, pois é todo
mundo adulto, mas ninguém quer saber disso.
- Só
que eu não sou professor! E não estou preocupado com as questões éticas… Me
incomoda o fato de ter traído Ana. Mesmo que o meu casamento já não esteja às
mil maravilhas há algum tempo, isso não justifica.
- E
por que não pensou nisso antes?
-
Porque tudo na teoria é mais fácil. Sinceramente, não há desculpa… não dá para
colocar a culpa no casamento, na chuva, na novidade…
- Na
juventude da garota, não é? Porque aposto que era novinha. Olha, eu conheço
todas as alunas que estavam matriculadas. Há umas bem bonitinhas e bem
safadinhas também. Muitas doidas para pegar um cara boa pinta, casado. Você não
faz ideia o quanto tenho que me virar para não cair mais em tentação. A Lúcia
já me perdoou uma vez, mas tenho certeza que de uma segunda não passo. Por isso
é vigilância total. Mas me conta como aconteceu.
Felipe
então narrou todos os acontecimentos da última sexta-feira. Contou sobre o
conto, mas também de uma troca de olhares que acontecia desde o primeiro dia.
Mas foi o conto que despertou nele aquela paixão avassaladora, incontrolável.
- Se
não fossem as palavras dela, acho que nada teria acontecido.
- Que
canalha… na minha sala… - e começou a rir compulsivamente. - Mas
já foi, meu amigo. Você é humano, sinto dizer: sente tesão e comete erros.
Aprenda com eles! Mas, quero que você me diga quem é a “heroína” que o tirou do
celibato matrimonial.
- Eu
não deveria dizer… Mas acho que devo isso a você. Me prometa que não dirá nada!
Serei duplamente canalha por isso.
-
Deixa de enrolação… Falando serio, você me conhece, sabe que nunca direi nada a
ninguém.
- Ela
se autodenominava Rosa, mas seu nome era… - e sussurrou em seu
ouvido.
Rodrigo
ficou mudo, pensativo. Levantou-se, bebeu mais um pouco do uísque.
- Não,
não… você deve estar enganado, se confundiu.
- Por quê?
-
Porque não existe essa pessoa no curso. Não mesmo. Talvez de outro curso…
Felipe
permaneceu sentado, mas sorveu o resto do líquido em seu copo. Estava confuso.
Realmente o nome dela não apareceu na listagem oficial, como os nomes de alguns
outros alunos que se inscreveram de última hora. Sabia do nome porque ao final
da primeira aula, em conversa com alguns, perguntou quem eram, o que faziam, em
que período estavam. Fez a sua descrição física minuciosa.
- Não,
Felipe. Essa garota é de outro curso. Eu não faço a mínima ideia de quem seja.
E com certeza não é, nem nunca foi minha aluna. E sabe de uma coisa, acho que é
hora de encerrarmos esse assunto. E trate de esquecer essa garota. Você nunca
mais vai vê-la, foi um caso, é passado. Vamos sim aproveitar o resto da noite.
Afinal, hoje é Natal!
Felipe
assentiu com a cabeça. Não queria mais falar sobre o assunto também. Estava
confuso. Quem era ela? Quem era aquela garota? E antes de entrarem na casa, mas
já ouvindo as crianças brincando, as esposas conversando, Felipe tocou no ombro
do amigo.
- Sabe
o que me veio na mente agora?
- Quê?
- A
história de Umberto Eco, sabe? O Nome da Rosa…
-
Muito apropriado, muito apropriado…
Entraram os
dois. A vida seguiria como se nada tivesse acontecido.
Felipe
acordou cedo como fazia todas as manhãs. Ligou o notebook e a caixa de entrada
indicava uma mensagem nova. Quem mandaria um e-mail no primeiro dia útil do
ano. O mensageiro era desconhecido. Subitamente seu coração parou e um arrepio
correu sua espinha. Em anexo havia um documento de texto. No texto do e-mail apenas os
seguintes dizeres:
“Um novo conto para o
meu professor!”
7 comentários:
Conto muito bem escrito: objetivo, de rápido entendimento, aguça nossa curiosidade. Creio que atingiu seus objetivos.
Coitado do protagonista Felipe, não conseguiu resistir à tentação e parece-me que vai ser difícil livrar-se da "aluna" Rosa. No primeiro dia do ano já lhe enviou outro conto por e-mail...!!! Bem, só o autor saberá...
Ricardo, está muito bom! Vamos ver o que vai acontecer com Filipe? Um abraço Katia Cunha
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