quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O POETA (parte 2)

Bem, aproveitando a ausência (temporária de sono), vou publicar agora a segunda parte do conto "O Poeta". Pena que ninguém está lendo...

O Poeta


II


            O bairro onde mora é de classe média, uma rua típica de fronte a uma praça bastante movimentada. É noite, quase madrugada. Do portão saem os pais de Vinícius. Ele com um cigarro na mão, ela carregando duas cadeiras de plástico, pondo-as defronte à casa.
            — Olha a lua, mulher! — brada Antenor, admirando a beleza singular da lua.
            — Está linda! — confirma Virgínia, num sorriso, passando a mão no braço do marido, que acabara de acender o cigarro.
            — Linda… me faz lembrar de tempos…
            — De todos os tempos difíceis.
            — Olhe a lua, não retruque, está linda de verdade. Lua cheia… Está brilhando como poucas vezes, sabe, assim. Eu até me emociono.
            — Deixa de besteira, homem de Deus, deixa!
            Ele riu, mas não falou nada. Puxou uma forte tragada, liberando aos pouco a fumaça danosa do cigarro. Ela completou:
            — Homem se emociona também. Está pensando o quê?
            — Eu não sei. É que eu vejo a lua, tão cheia, tão grande… O que se pode dizer? Eu verdadeiramente, não sei. É tudo tão bonito! Virgínia, vamos, me fala, não me esconde, o  que está acontecendo, não mente!
            Ela assustou-se um pouco com o rumo novo da conversa.
            — Não é nada, amor, não é nada.
            — Como não é nada? Eu sei, eu vejo. Mentir pra mim… você sabe, é besteira. Mentir pra mim, deixa ver, o que digo… é como mentir para Deus. Alguém mente, esconde algo de Deus?
            — Eu não minto, querido, mentir é pecado.
            — Virgínia, minha mulher, nesses trinta anos nunca te menti. Não quero que o faças agora.
            — Mas eu não minto, também. E sei que você não mente para mim. É um homem bom, graças a Deus. Se eu escondo alguma pequena besteira, é para o seu bem, por causa do seu coração, meu amor. E você sabe bem o quanto sinto temor por perdê-lo. Não é?
            — Sim, é. Pois então, isso que sei que você está escondendo também pode matar-me, estou aflito. E sei que diz respeito ao nosso filho. Vamos, lhe suplico!
            — Não carece se aborrecer, Antenor, deixa que dos aborrecimentos eu cuido.
            — Mas como você é teimosa!
            — Só quero poupá-lo…
            — Poupa-me mais dizendo a verdade.
            — Está bem. É com o Vinícius, nosso filho…
            — Que tem ele? Doença?
            — Não, acredito que seja dor de amor. Ele não se abre, está amofinado no quarto, quase não come, quase não dorme. Toda vez que tento me aproximar, ele me afasta, finge-se são.
            — Meu Deus!… É com certeza sofrimento por alguma namoradinha.
            — Antenor, querido, esqueceu que ele tem uma namorada, que a adora, que certa vez já falou até em casar-se com ela? Já imaginou, meu filhinho, tão moço, casado?
            — Então, o que o afligirá?
            — Pois é isto o que me preocupa. Mas é melhor entrarmos, você não pode ficar aqui no sereno muito tempo, tomando friagem.
            Ela pegou as cadeiras e carregou para dentro de casa. Antenor deu a última tragada no seu toco, atirando-o longe. Milagre a mulher não ter reclamado do seu vício, ela realmente deve estar muito preocupada.

3 comentários:

DG Jem disse...

Ahhh.... Um escritor nunca subestima seus leitores. rsr

Ricardo Lima Guimarães disse...

Não é subestimar... é instigar... rs

DG Jem disse...

kkkk
Boa estratégia,
e eu cai nela.
HEeheh mas enfim, estou acompanhando o poeta