domingo, 14 de novembro de 2010

O POETA (parte 5)

V


            Vinícius estava num sono profundo quando o despertador tocou. Levantou-se e olhou o fraque que seria usado naquele dia, sobre a cadeira. Eram seis horas. Espreguiçou-se olhando na direção da escrivaninha. Duas folhas amassadas e outras tantas rabiscadas. Eram os primeiros poemas que escrevera após tantos anos. Olhou-se no espelho do guarda-roupa, os olhos inchados denunciavam o choro da madrugada.
            Duas batidas na porta e a mãe entrou no quarto. Vinícius não entendeu o porquê das lágrimas. Ela chegou junto e o bateu muito forte no rosto, tão forte que o feriu no canto da boca. Atônito e ele simulou uma pergunta e antes que pudesse pronunciá-la, a mãe, com cólera controlada, entregou um papel dobrado e disse:
            — Está morta… enforcada no banheiro com o vestido de noiva…
            Saiu, batendo com ira a porta.
            Desdobrou o papel amassado, caminhou até a escrivaninha, afastou as novíssimas poesias para o canto e pousou o papel para ler o conteúdo, eram poucas linhas, escritas com tinta azul. Tremia assustadoramente.

Meu querido, meu amor,

              Sei o quanto a poesia era importante para você, e você nem desconfiava o quanto você era importante para mim. Uma pena! Só posso dizer isso. Lastimo ter jogado o meu amor fora, lutado em vão contra uma adversária tão poderosa. Assim é a vida. Entreguei-me para vê-lo sorrir, e você sorriu. Que bom! Pena que o sonho tenha durado tão pouco. Disse umas tantas vezes que sem o seu amor e o seu abraço para me confortar, minha vida de nada valia. Pois é isto mesmo, nasci para você, para o seu amor, e mesmo assim, o rejeitou. Não suportarei a dor de viver sem o seu carinho, meu poeta, e parto, deixando-o livre da minha existência, ávida pelo seu sucesso. Espero ir para o céu e de lá vê-lo sofrer umas tantas vezes para que consiga escrever mais e mais poesias. Despeço-me, meu poeta, do mundo e de você,

              A sempre sua
Clara                

            Ao terminar de ler aquelas linhas, gritou com força nos pulmões. Acabou-se tudo, de uma vez por todas, acabou-se.
            Chorou vinte horas seguidas. Escutou muita coisa nesse período, o desespero dos pais que tentavam acalmar os pais de Clara. Tudo se findou tragicamente. Vinícius não era mais Vinícius, e sim um cadáver. E como cadáver não tinha direito à vida. Sentou-se e escreveu uma poesia intitulada Clara, foram trinta páginas escritas em algumas horas. Da janela do quarto a lua parecia estar sorrindo, satisfeita com o desfecho abominável daquela história. Releu o poema e não encontrou erros.
            — É a poesia mais bela que já fiz em toda a minha vida. Obrigado, Clara!
            No mesmo papel que Clara utilizara para deixar sua derradeira mensagem, ele rabiscou algumas palavras. Deixou sobre o poema.
            Deitou-se na cama ora olhando, ora olhando a lua. Pegou um saco plástico e enfiou na cabeça, e morreu sufocado.
            Na escrivaninha, naquele triste papel, portador de mensagens tão infelizes, estava escrito:

“Se um homem não vive sem o ar,
O poeta não consegue viver sem a poesia,
E antes de ser um poeta, eu sou um homem!”

2 comentários:

Danila disse...

Nossa!!!! Que triste!! Muito triste!!! Mas muito mesmo!!!!! Demais da conta!!!!!

Márcia disse...

Realmente é muito triste. Porém muito bonita essa historia.